Da coleta das palmeiras até a mesa do
paraense ou até as sobremesas do sul e sudeste, o açaí percorre um longo
caminho que envolve muitas pessoas em diversas funções. O produto é um exemplo
de como a floresta pode gerar, de forma sustentável, emprego e renda para
várias comunidades na floresta e nas regiões urbanas. Para ver isso, basta
seguir o caminho do fruto da palmeira até a mesa.
Nas beiras de rios e igarapés, só dá eles.
Todas as ilhas da Baia do Guajará, no Pará, são cobertas por açaizais, em sua maioria
nativos e selvagens. As palmeiras de açaí convivem com diversas outras espécies
de plantas e fazem a festa das aves que tomam seu café da manhã por ali. Depois
delas, é a vez dos homens retirarem sua parte. Antes do sol do meio dia, os
coletores de açaí, ou “peconheiros”, como são conhecidos por conta do acessório
que amarram nos pés para subir nas árvores, já coletaram os frutos maduros do
dia.
Eles enchem rasas e mais rasas, cestas de
vime ou palha que comportam cerca de 28 quilos dos pequenos cocos. A cada
árvore, é a mesma coisa: o homem, em geral jovem, amarra a peconha nos pés,
coloca as luvas nas mãos e o facão na cintura, sobe muitos metros escalando a
palmeira, corta os cachos e volta com eles escorregando pelo tronco. Às vezes
puxa galhos de outras palmeiras vizinhas para aproveitar a viagem. A segurança
é pouca, mas é ainda o melhor jeito de se fazer a colheita. As palmeiras, mais
lucrativas em pé, só são derrubadas quando esgotam sua produção, o que ocorre
em cerca de 10 anos. Seu tronco vira palmito, adubo e material para artesanato.
Depois, em solo firme, mas não tanto (já que o açaí se dá melhor em terrenos
alagadiços), é hora de debulhar os grandes cachos enchendo as rasas. Talvez
seja a única tarefa que eventualmente pode ser executada por mulheres. De
resto, o açaí é um produto bastante masculino.
A partir daí, as rasas cheias de cocos podem
ter dois caminhos. Um deles é o da média e grande indústria, que compra
diretamente do produtor, recolhendo a colheita de cada dia para fazer o processamento
para ser usado como alimento, cosmético e enviado paras as regiões Sul e
Sudeste e para fora do Brasil. O outro é a venda de mão em mão até o consumidor
local. Nos barcos, no início da tarde, os produtores levam suas rasas para os
portos regionais, ou quando não têm barcos, vendem para atravessadores que
passam negociando o fruto. No porto, é possível que uma parte ainda vá para a
indústria, mas a maior fração é coletada por cooperativas que se encarregam de
transportar e vender o açaí em Belém, em quatro mercados de alimentos nos
portos da cidade, entre eles o tradicional Ver-o-Peso.
Todos esses mercados funcionam durante a
madrugada e são como uma bolsa de valores do açaí: o preço varia conforme a
oferta e a procura, como nas feiras livres. Lá, a medida já é outra. Os frutos
são vendidos por lata, que na verdade são as cestas de vime menores, com 14
quilos cada. Às seis da manhã, já é quase hora da xepa.
Além dos vendedores e compradores, trabalham
por ali os ensacadores, que colocam os frutos comprados em sacas parecidas com
as de café, ou açúcar. Os carregadores transportam para lá e para cá as sacas
em seus carrinhos de madeira (tanto ensacadores quanto carregadores recebem
cerca de R$ 2 por volume). As pessoas que levam as latas e rasas de volta para
os barcos (e por cada cesto carregado recebem R$ 1). Além deles, há os
vendedores de café, tapioca e churrasco que alimentam os trabalhadores. Em uma
conta feita por alto, cerca de 500 pessoas trabalham só na feira do açaí que
ocorre no porto ao lado do Ver-o-Peso.
Os clientes ou compradores desses mercados da
madrugada são os batedores de açaí. Estima-se que existam 4 mil deles só em
Belém. São eles que higienizam e colocam o fruto de molho na água para depois
bater e transformá-lo na polpa, ou vinho, que pode ser grossa, média ou
“popular”, a mais diluída, com 18% de açaí e o resto de água. Bem diferente da
doce mistura com xarope de guaraná e frutas consumida no sul do país, é o açaí
batido no dia. Ele é fresco, só com água que chega na mesa do paraense como
reforço da alimentação e é comido salgado, junto com o arroz, feijão, a farinha
e o peixe. Ele é comprado como o pãozinho quente para o café da manhã, em
portinhas que se espalham pelas ruas da cidade com placas simples: “açaí”.
Os preços variam de acordo com a região da
cidade, mas o litro do vinho popular, na safra, pode ser encontrado por R$ 6.
São 470 mil litros diários nos meses de julho a dezembro, quando uma famíllia
de quatro pessoas consome em média dois litros por dia. E cada uma tem seu
batedor de confiança que, muitas vezes, anota as despesas em uma caderneta para
os clientes fieis acertarem tudo no final do mês. Açaí, no Pará, é questão de
confiança. De ponta a ponta, a estimativa do governo do Estado do Pará que 300
mil pessoas dependam do açaí para sobreviver. Ele é a principal fonte de renda
para 70% da população ribeirinha.
Por: Cintia Marcucci
Fonte: Revista Época