Sergio Adeodato
Desde que o governo federal decretou a Medida Provisória 2186/16 com regras para o acesso aos recursos genéticos, há exatos dez anos, o número anual de pedidos de patentes de biotecnologia no Brasil despencou quase 70%. Passou de 1.030 depósitos, em 2001, para 356, no ano passado. A queda é sintomática, diante do atual cenário de riscos e incertezas sem a existência de um marco legal abrangente para o uso econômico da biodiversidade. "A agenda está travada em função da insegurança jurídica que afasta investimentos", avalia Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Além da complexidade para a prospecção e transformação do potencial da fauna e flora em produtos, as normas são "excessivamente restritivas". Tanto assim, diz Ávila, que a redução das patentes na área biológica contrasta com crescimento de registros nos demais setores produtivos. Entre 2010 e 2011, o total de patentes no país aumentou de 30 mil para 35 mil, refletindo a evolução da economia.
A lei brasileira não permite patentear organismos vivos ou suas moléculas, protegendo apenas o processo tecnológico que gera substâncias a partir deles. "O ambiente de restrições surgiu no passado em função das ameaças da biopirataria, mas hoje o foco está na promoção de negócios sustentáveis como estratégia de conservação dos recursos naturais", diz Ávila.
"É urgente simplificar e criar condições para que as empresas se regularizem e voltem a investir", ressalta. Neste trabalho de adequação, o INPI está revendo 5,5 mil pedidos de patente de biotecnologia registrados desde 2001. A instituição enviou questionário aos depositantes para saber se houve acesso a recursos genéticos. A patente pode ser cancelada, caso não exista autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para o projeto.
O impasse freia o ritmo de inovação de indústrias e centros tecnológicos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), instituição não acadêmica que mais registra patentes no país. Até 2010 foram 258 registros, sem contar a proteção pelo desenvolvimento de cultivares - novas variedades de plantas -, que somam mais de 400, rendendo US$ 16,4 milhões por ano em royalties.
Entre os produtos que correm risco de não chegar ao mercado por conta dos atropelos legais, está uma proteína extraída de aranhas, associada à sua capacidade de construir teias. O insumo conferiria maior resistência e elasticidade às fibras de algodão para a indústria têxtil. Mas a pesquisa foi interrompida após multa de R$ 100 mil aplicada pelo Ibama, sob alegação de que a Embrapa teria ido além do autorizado. Em operações feitas em outubro de 2010 e março deste ano, os fiscais notificaram cerca de cem empresas consideradas irregulares no uso dos recursos genéticos, totalizando R$ 120 milhões em multas.
O episódio desencadeou o debate para a revisão do marco legal. "A atual regra é imprecisa e dá margem a interpretações subjetivas", critica Felipe Teixeira, chefe de inovação tecnológica da Embrapa, para quem a legislação não deve só punir, mas incentivar. Em busca de produtos inovadores, várias empresas e centros de pesquisa prospectaram a floresta no período entre a decretação da MP e, dois anos depois, a criação do CGEN, responsável pelas autorizações. "Muitos poderão ter patentes negadas e serão prejudicados", afirma Teixeira. Para ele, a autorização de pesquisa deve ser simplificada. "Enquanto o problema não for resolvido, evitamos prospecção que envolva repartição de benefícios econômicos com comunidades nativas, base da atual legislação de acesso à biodiversidade", diz.
Por segurança, as empresas migram para o uso de espécies vegetais não nativas, trazidas de outros países. "É uma pena, mas os riscos são muito altos", lamenta Vânia Rudge, diretora da Centroflora, empresa que hoje produz cerca de 200 extratos vegetais sob encomenda de clientes de grande porte, principalmente externos. "Muitos temem a perda de patentes e deixam de investir", conta. A orientação é não acessar o conhecimento tradicional. "Falta clareza sobre a amplitude da repartição de benefícios, que pode ser reivindicada por mais de uma comunidade", justifica.
A conservação da natureza depende de seu valor econômico. Vânia cita o caso do jaborandi, planta nativa explorada pela empresa no Piauí, Ceará e Maranhão para produção de pilocarpina - substância usada no tratamento de glaucoma, distribuída mundialmente pela indústria farmacêutica Boehringer Ingelheim. Os produtores locais triplicaram a renda com a venda das folhas, mas similares sintéticos estão levando o produto natural à decadência. "É preciso encontrar novas plantas medicinais para reduzir a dependência da população em relação ao jaborandi, mas as regras atuais inibem o processo", diz Vânia.
Ela sugere uma nova lei capaz de caminhar na velocidade da inovação e de atrair negócios: "É importante termos vantagem competitiva, pois os países concorrentes também estão criando incentivos e regulamentações após o Protocolo de Nagoya, assinado no ano passado".
Para Marcelo Cardoso, vice-presidente de sustentabilidade da Natura, "a situação atual limita a inovação e a transformação da biodiversidade em ativo para o país reduzir a dependência das commodities". Apesar das indefinições, a empresa investe em um centro tecnológico em Manaus para desenvolver cadeias produtivas a partir dos recursos florestais, movimentando investimentos de cerca de R$ 1 bilhão até 2020 na Amazônia. "O uso sustentável do patrimônio genético exige a criação de escala pelos diversos segmentos do mercado, incluindo a indústria farmacêutica e alimentícia", afirma o executivo, confiante em mudanças. "É apenas uma questão de tempo, porque o governo tem uma nova percepção sobre o tema."
A grosso modo, considerando a existência de 1,8 milhões de espécies no país e o atual ritmo das autorizações do governo para prospecção, seriam necessários 72 mil anos para o país conhecer o seu patrimônio genético. A conta é do Movimento Empresarial pela Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, que reúne 61 empresas e dez organizações, e lidera um plano para mudar os rumos do setor até 2020. "Há uma forte pressão contra a inércia, inclusive por segmentos da economia que não atuam diretamente no uso da biodiversidade", confirma Cristiane de Moraes, do Union for Ethical Biotrade no Brasil.
Local: São Paulo - SP
Fonte: Valor Econômico
Link: http://www.valoronline.com.br/
Desde que o governo federal decretou a Medida Provisória 2186/16 com regras para o acesso aos recursos genéticos, há exatos dez anos, o número anual de pedidos de patentes de biotecnologia no Brasil despencou quase 70%. Passou de 1.030 depósitos, em 2001, para 356, no ano passado. A queda é sintomática, diante do atual cenário de riscos e incertezas sem a existência de um marco legal abrangente para o uso econômico da biodiversidade. "A agenda está travada em função da insegurança jurídica que afasta investimentos", avalia Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Além da complexidade para a prospecção e transformação do potencial da fauna e flora em produtos, as normas são "excessivamente restritivas". Tanto assim, diz Ávila, que a redução das patentes na área biológica contrasta com crescimento de registros nos demais setores produtivos. Entre 2010 e 2011, o total de patentes no país aumentou de 30 mil para 35 mil, refletindo a evolução da economia.
A lei brasileira não permite patentear organismos vivos ou suas moléculas, protegendo apenas o processo tecnológico que gera substâncias a partir deles. "O ambiente de restrições surgiu no passado em função das ameaças da biopirataria, mas hoje o foco está na promoção de negócios sustentáveis como estratégia de conservação dos recursos naturais", diz Ávila.
"É urgente simplificar e criar condições para que as empresas se regularizem e voltem a investir", ressalta. Neste trabalho de adequação, o INPI está revendo 5,5 mil pedidos de patente de biotecnologia registrados desde 2001. A instituição enviou questionário aos depositantes para saber se houve acesso a recursos genéticos. A patente pode ser cancelada, caso não exista autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para o projeto.
O impasse freia o ritmo de inovação de indústrias e centros tecnológicos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), instituição não acadêmica que mais registra patentes no país. Até 2010 foram 258 registros, sem contar a proteção pelo desenvolvimento de cultivares - novas variedades de plantas -, que somam mais de 400, rendendo US$ 16,4 milhões por ano em royalties.
Entre os produtos que correm risco de não chegar ao mercado por conta dos atropelos legais, está uma proteína extraída de aranhas, associada à sua capacidade de construir teias. O insumo conferiria maior resistência e elasticidade às fibras de algodão para a indústria têxtil. Mas a pesquisa foi interrompida após multa de R$ 100 mil aplicada pelo Ibama, sob alegação de que a Embrapa teria ido além do autorizado. Em operações feitas em outubro de 2010 e março deste ano, os fiscais notificaram cerca de cem empresas consideradas irregulares no uso dos recursos genéticos, totalizando R$ 120 milhões em multas.
O episódio desencadeou o debate para a revisão do marco legal. "A atual regra é imprecisa e dá margem a interpretações subjetivas", critica Felipe Teixeira, chefe de inovação tecnológica da Embrapa, para quem a legislação não deve só punir, mas incentivar. Em busca de produtos inovadores, várias empresas e centros de pesquisa prospectaram a floresta no período entre a decretação da MP e, dois anos depois, a criação do CGEN, responsável pelas autorizações. "Muitos poderão ter patentes negadas e serão prejudicados", afirma Teixeira. Para ele, a autorização de pesquisa deve ser simplificada. "Enquanto o problema não for resolvido, evitamos prospecção que envolva repartição de benefícios econômicos com comunidades nativas, base da atual legislação de acesso à biodiversidade", diz.
Por segurança, as empresas migram para o uso de espécies vegetais não nativas, trazidas de outros países. "É uma pena, mas os riscos são muito altos", lamenta Vânia Rudge, diretora da Centroflora, empresa que hoje produz cerca de 200 extratos vegetais sob encomenda de clientes de grande porte, principalmente externos. "Muitos temem a perda de patentes e deixam de investir", conta. A orientação é não acessar o conhecimento tradicional. "Falta clareza sobre a amplitude da repartição de benefícios, que pode ser reivindicada por mais de uma comunidade", justifica.
A conservação da natureza depende de seu valor econômico. Vânia cita o caso do jaborandi, planta nativa explorada pela empresa no Piauí, Ceará e Maranhão para produção de pilocarpina - substância usada no tratamento de glaucoma, distribuída mundialmente pela indústria farmacêutica Boehringer Ingelheim. Os produtores locais triplicaram a renda com a venda das folhas, mas similares sintéticos estão levando o produto natural à decadência. "É preciso encontrar novas plantas medicinais para reduzir a dependência da população em relação ao jaborandi, mas as regras atuais inibem o processo", diz Vânia.
Ela sugere uma nova lei capaz de caminhar na velocidade da inovação e de atrair negócios: "É importante termos vantagem competitiva, pois os países concorrentes também estão criando incentivos e regulamentações após o Protocolo de Nagoya, assinado no ano passado".
Para Marcelo Cardoso, vice-presidente de sustentabilidade da Natura, "a situação atual limita a inovação e a transformação da biodiversidade em ativo para o país reduzir a dependência das commodities". Apesar das indefinições, a empresa investe em um centro tecnológico em Manaus para desenvolver cadeias produtivas a partir dos recursos florestais, movimentando investimentos de cerca de R$ 1 bilhão até 2020 na Amazônia. "O uso sustentável do patrimônio genético exige a criação de escala pelos diversos segmentos do mercado, incluindo a indústria farmacêutica e alimentícia", afirma o executivo, confiante em mudanças. "É apenas uma questão de tempo, porque o governo tem uma nova percepção sobre o tema."
A grosso modo, considerando a existência de 1,8 milhões de espécies no país e o atual ritmo das autorizações do governo para prospecção, seriam necessários 72 mil anos para o país conhecer o seu patrimônio genético. A conta é do Movimento Empresarial pela Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, que reúne 61 empresas e dez organizações, e lidera um plano para mudar os rumos do setor até 2020. "Há uma forte pressão contra a inércia, inclusive por segmentos da economia que não atuam diretamente no uso da biodiversidade", confirma Cristiane de Moraes, do Union for Ethical Biotrade no Brasil.
Local: São Paulo - SP
Fonte: Valor Econômico
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