No último dia 27 de junho foi publicada na edição do DOU a
denominada "Lei da Palmada", que após sancionada pela presidente
Dilma Roussef na noite anterior, em solenidade que contou com a presença da
apresentadora Xuxa Meneguel, recebeu o número lei 13.010/14.
Referido diploma legal trouxe alterações na lei 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), e na lei 10.406/02 (Código
Civil), decorrendo de uma emenda constitucional que tramitava desde 2010 no
Congresso Nacional.
Assim, com as alterações legislativas o artigo 18 do ECA, que
já dispunha acerca do ser “dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, passou agora a definir como sendo
“castigo corporal” toda “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da
força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente”, cominando
aos “infratores” penas que vão da “advertência”, passando pelo “encaminhamento
a programas de proteção à família” e “orientação pedagógica”.
Passemos, então, à análise das alterações legislativas mais
relevantes e que, sem dúvida, trarão enorme impacto no seio familiar:
Dada a inexistência de definição precisa acerca do que seriam
os aludidos “tratamento cruel ou degradante” ou no qual seria a natureza do
propalado “castigo físico”, o legislador cuidou de defini-los nos incisos I e
II do mesmo dispositivo, que assim foram redigidos:
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel
de tratamento que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o
adolescente.
Nesse passo, cumpre indagar, ficarão doravante os pais ou
responsáveis pele menor à mercê da análise subjetiva do autor da denúncia ou
dos Conselhos Tutelares, sempre que, de alguma forma, obstarem alguma ação
reprovável do menor quando poderão, ao mesmo tempo, praticando uma ação que
“humilhe” ou “ridicularize” a criança?
Quer nos parecer que é exatamente isso o que teremos daqui
por diante, numa flagrante cassação de uma prerrogativa que a própria
Constituição Federal assegurou à entidade familiar, antes dos demais agentes
sociais, conforme se infere da leitura do artigo 227 da Carta Magna.
Ademais, a própria leitura do artigo subsequente da referida
Lei, (18-B) não deixa dúvidas acerca do rol de medidas punitivas ao “infrator”
caso a denúncia seja considerada procedente, conforme incisos I à V e parágrafo
único que ainda abre margem para “outras providências legais”.
Vejamos, portanto, o que dizem o artigo 129, incisos I, III,
IV e VI desta lei (Estatuto da Criança e do Adolescente) e quais são as “outras
sanções cabíveis”.
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I –
encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; III –
encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV – encaminhamento a
cursos ou programas de orientação; VI – obrigação de encaminhar a criança ou
adolescente a tratamento especializado;
Numa análise preliminar, poderíamos interpretar que a
intervenção estatal se daria somente ao nível do tratamento psicológico e da
orientação, porém, a lei não prevê nenhum tipo de limitação nesse sentido.
Isso porque o propalado tal “programa oficial de proteção à
família” não conta com uma mínima definição no texto legal acerca de qual seria
sua real natureza; finalidade e alcance, distorção esta que acarretará enorme
insegurança jurídica. Aliás, prática recorrente na legislação brasileira quando
se refere a prever políticas ou programas de tratamento. Prevê, mas não define,
não explica, não aponta recursos tampouco responsáveis.
Com efeito, pela forma como está redigida, inexiste
dispositivo que impeça o estabelecimento, pelo órgão estatal, de um “programa
oficial de proteção à família” cujas regras serão por ele próprio ditadas, o
que dá margem para que se decrete, por exemplo, a separação compulsória da
criança da família e sua internação em estabelecimento educacional em regime de
internato, sem comunicação com os “agressores” que ousaram lhes dar um “tapa na
bunda”. Ademais, como se admitir tal agressão do Estado a um cidadão honesto,
trabalhador e no pleno gozo de suas faculdades mentais, para que seja submetido
a um tratamento “psicológico ou psiquiátrico”, unicamente por que ousou dar uma
palmada educativa num filho”?
O mais grave, contudo, são as “outras sanções cabíveis” nas
quais está implícita a perda do poder familiar, ou seja, perda definitiva da
guarda dos filhos, que não é citada explicitamente no artigo 18b introduzido no
ECA mas é tornada possível devido à alteração do artigo 1634 inciso VII do Novo
Código Civil, usurpando o poder família sob a falsa justificativa de “proteger
a criança”, coisa que na prática o Estado e o governo nunca fizeram.
Vejamos: Alterações no Novo Código Civil Art. 2o – O artigo
1634 da Lei 10.406, de 10/01/2002 (novo Código Civil), passa a ter seguinte
redação:
“Art. 1634 – Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos
menores: VII. Exigir, sem o uso de força física, moderada ou imoderada, que
lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e
condição”. Observem o que dizem a este respeito os artigos 1.637 e 1.638 do
Novo Código Civil:
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade,
faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao
juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que
lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o
poder familiar, quando convenha. Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder
familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; IV – incidir,
reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. Ora, nesse
contexto, qualquer tapinha passa a ser um “abuso de autoridade” e uma “falta
aos deveres a eles inerentes”, enquadrando assim os pais, mães e responsáveis
legais pelas crianças no artigo 1.637 do Código Civil, podendo doravante gerar
a suspensão do poder familiar e, um segundo tapinha a perda definitiva do poder
familiar, tudo isso conforme for o critério adotado pelo julgador, lembrando
que o artigo 1.634 do mesmo Código Civil proíbe o uso de qualquer força física,
moderada ou imoderada.
Vale dizer, criou-se uma situação absurda para os pais, na
medida em que o Estado não lhes explica como eles poderão daqui por diante
“exigir”, sem o uso de força física, moderada ou imoderada, que os seus filhos
lhes prestem obediência, respeito e as condutas próprias de sua idade e
condição. A rigor, portanto, a Lei da Palmada limitou-se a instituir
responsabilidade aos pais ou responsáveis pelo menor mas, ao mesmo tempo, não
confere para estes os meios pelos quais será possível cumprir essa
responsabilidade, criando assim uma verdadeira “arapuca jurídica” para a
família brasileira.
Ora, o Estado, grande ausente no apoio a família e no suporte
ao bem estar do lar, quer na questão moral quer na estrutural, vem agora
intervir em questão dessa natureza, quando já existe na própria Lei Penal
previsão suficiente para maus tratos e/ou lesões corporais e crimes dessa
natureza.
Eis, portanto, a consumação de um Estado totalitário que
emerge ao se erigir misticismos, demagogia e oportunismos à condição de Lei,
tal como estamos agora assistindo com a famigerada “Lei da Palmada”.
O que é constrangedor é constatar que até os dias atuais, as
autoridades diziam, até com certa razão, que a educação é responsabilidade da
família que muitas vezes tentava tranferir para o Estado e para a escola (essa
responsável pela educação conhecimento), e agora, com essa famigerada Lei, o
Estado não assume mas também não permite à família que eduque seus filhos da
forma que julgue mais conveniente, não que bofetões seja o melhor diálogo, mas
impedir corretivos quando o próprio Estado não impede a bandalheira oficial, é
no mínimo incoerente.
O Estado já intervém naquilo que seu filho deve ou não
assistir na TV, agora busca intervir na forma de criação deles, sem contudo dar
solução ou apresentar alternativas. O seu papel mesmo, qual seja, o de dar
acesso à Educação de qualidade nas escolas, esse ele está pouco se lixando…E aí
surge a pergunta obrigatória: Quem vai intervir no Estado, quando ele espanca a
sociedade?
Não por acaso, os mesmos atores governamentais que conceberam
a famigerada "Lei da Palmada", buscando criminalizar a educação
doméstica, quando já existe legislação suficiente para esse fim, são os que
pregam a descriminalização do uso das drogas, o que deixa claro que o objetivo
não é proteger crianças, jovens e adolescentes da violência, mas ao contrário,
é destruir a família, e cada vez mais expor a sociedade ao desígnios nefastos
do aparato estatal.
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* Romeu Tuma Junior é advogado, sócio responsável pelas Áreas
Criminal e Penal empresarial do Gaiofato e Tuma Advogados Associados.
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