sábado, 6 de julho de 2013

Misericórdia e Eleição

Nos olhos de Cristo vemos um reflexo de "misericórdia e eleição", pois Ele é o Deus que veio para os pecadores

O Evangelho de hoje nos coloca diante duas realidades: as preocupações mundanas e a misericórdia divina. De um lado, a atenção de Mateus ao que é puramente material. Do outro, o olhar piedoso de Cristo, que é capaz de ver e ouvir a aflição do seu povo (Cf. Ex 3, 7) e, assim, se compadecer. Jesus sabe o que está dentro do coração do homem e por isso diz a Mateus: "Segue-me", pois Ele veio "não para chamar os justos, mas os pecadores” (Cf. Mt 9,9-13). Jesus, como lembra o lema do Papa Francisco, tem um olhar de "misericórdia e eleição" (Miserando atque eligendo). E é com esse olhar que vê a todos nós. Assim, explica-nos São Beda, o venerável, "quem diz que permanece em Cristo, deve caminhar como ele também caminhou", ou seja, pela misericórdia e renunciando à glória deste mundo.

Homilia de São Beda, o Venerável - Miserando atque eligendo

[Vidit, inquit, Iesus hominem sedentem in telonio Mattheum nomine, et ait illi, Sequere me.]
Vidit autem non tam corporei intuitus, quam internæ miserationis aspectibus, quibus et Petrum negantem ut reatum suum cognoscere ac deflere posset, respicere dignatus est: quibus populum suum Ægyptia servitute depressum, ut eriperet aspexit, dicens Moysen: "Videns vidi afflictionem populi mei, qui est in Ægypto, et gemitum eius audivi, et descendi liberare eum" (Ex 3, 7a . 8).
Vidit ergo hominem et miseratus est eum, qui humanis tantum studiis deditus, necdum angelico nomine dignus extiterat.
Vidit sedentem in telonio, pertinaci videlicet animo temporalibus lucris inhiantem.
"Matthæum – inquit – nomine". Matthæus Hebraice, Latine dicitur donatus: quod profecto nomen illi apte congruit, qui tantum gratiæ supernæ múnus accepit. Nec prætereundum est, quod Matthæus erat binomius: nam et Levi vocabatur, quod etiam nomen eidem gratiæ, qua donatus est, testimonium perhibet. Interpretatur enim additus, sive assumptus: siginificans quia assumptus est per electionem a Domino, et additus ad numerum gradus apostolici.
Hoc autem illum nomine Marcus et Lucas in hac electione magis appellare voluerunt, ne consortem operis Evangelici, de prisca conversione palam notabilem redderet.
Et vero ubi ad describendum duodecim Apostolorum catalogum pervenerunt, tácito Levi vocabulo, Matthæum illum aperte nuncupaverunt. Porro ipse Matthæus, iuxta hoc quod scriptum est , "iustus prior accusator est sui, venit amicus eius et investigavit eum" (Prov. 18, 17), vulgato se nomine vocat, cum de telonio vocatum narrat. Sed et in decalogo Apostolorum cum addimento se publicanum cognominat. "Thomas, inquit, et Matthæus publicanus" (Mt 10, 3), quatenus maiorem per hoc publicanis et peccatoribus adipiscendæ salutis confidentiam præbet. Quam docendi formula Paulus quoque secutus, ait: "Quia Christus Iesus venit in hunc mundo peccatores salvos facere, quórum primus ego sum. Sed ideo misericordiam consecutus sum, ut in me primo ostenderet Christus Iesus omnem patientiam, ad exemplum eorum qui credituri sunt illi in vitam æternam" (1 Tim 1, 15-16).
Vidit ergo Iesus publicanum, et quiamiserando atque eligendo vidit, ait illi, Sequere me. Sequere autem dixit imitare. Sequere dixit non tam incessu pedum, quam executione morum. Qui enim dicit se in Christo manere, debet sicut ille ambulavit, et ipse ambulare: quod est non ambire terrena, non caduca lucra sectari, fugere honores, contemptum mundi omnem pro cœlesti gloria libenter amplecti, cunctis prodesse, amare, iniurias nulli infere, at sibi illatas patienter sufferre, sed et inferentibus a Domino veniam postulare, nonnunquam suam, sed conditoris semper gloriam quærere, quotquot valet secum ad amorem supernorum erigere. Hæc est huiusmodi gerere, Christi est vestigia sequi.
[Ele diz: "Viu Jesus um homem sentado na coletoria de impostos, cujo nome era Mateus, e disse a ele: Segue-me!"]
Na verdade ele viu não tanto com o olhar da visão corporal, quanto da misericórdia interior. [O mesmo olhar] com o qual se dignou olhar para Pedro quando o havia negado para que este pudesse reconhecer o seu pecado e chorá-lo. [O mesmo olhar] com o qual [olhou] para o seu povo oprimido na escravidão do Egito, dizendo a Moisés: "Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores [...] e desci para livrá-lo" (Ex 3, 7a . 8).
Viu então um homem que se dedicava apenas às preocupações humanas, e dele se compadeceu e o considerou digno de receber o nome de mensageiro (anjo).
Viu-o sentado na coletoria de impostos, ou seja, com o coração de quem deseja ardentemente os bens temporais.
E diz: "seu nome era Mateus". Mateus em hebraico, em latim "donatus" (doado). Um nome que de fato lhe convém adequadamente, aquele que apenas recebeu o dom da graça do alto. Nem se deve esquecer que Mateus tinha dos nomes: ele também se chamava Levi, que também é o nome que dá testemunho da mesma graça, com a qual foi presenteado. Traduzindo, quer dizer "acrescentado", ou "assumido": significando que foi assumido por eleição pelo Senhor e acrescentado ao número dos que tinham o grau de apóstolos.
Foi este o nome que Marcos e Lucas preferiram recordar, para que não se revelasse a primitiva conversão de seu colega de trabalho apostólico.
Na verdade quando chegaram a descrever o catálogo dos doze apóstolos, calando o nome de Levi, chamaram-no abertamente de Mateus. Mas, já que está escrito que "o justo é o primeiro a se acusar, então vem seu amigo e o investiga" (Prov 18, 17 vulg.), [Mateus] chama a si mesmo com o nome conhecido, quando narra a vocação da mesa de impostos. E também na lista dos apóstolos, com um acréscimo, chama a si mesmo de publicano. "Tomé – diz – e Mateus o publicano" (Mt 10, 3), porque desta maneira transmite uma maior confiança de os publicanos e pecadores alcançarem a salvação. Esta fórmula de ensino também foi seguida por Paulo ao dizer: "Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro. Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nele crerem, para a vida eterna" (1 Tim 1, 15-16).
Assim, Jesus viu o publicano e, porque viu para dele ter misericórdia e para o eleger, disse-lhe: "segue-me". Disse "segue-me" para que o imitasse. Disse "segue-me" não tanto para uma atitude dos pés, quanto para a atuação da moral. Quem diz que permanece em Cristo, deve caminhar como ele também caminhou: ou seja, não ambicionar as coisas terrenas, não buscar o lucro passageiro, fugir das honras, desprezar o mundo, tudo abraça de boa vontade para a glória do céu, a todos ser útil, amar, não infligir injúrias a ninguém, e sofrer pacientemente as que lhe foram dirigidas, assim como suplicar o perdão do Senhor para os acusadores, nunca procurar a sua glória, mas sempre a do criador e quanto puder crescer no amor das coisas do alto. É agindo assim que se seguem os passos de Cristo.
São Beda, o Venerável, "Homilia 30 In nat. S. Matthæi. Legimus, Apostolo", in: The Complete Works of Venerable Bede. Homilies. vol. 5, London, 1843, p. 220-221.

Fonte: cleofas.com.br

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