Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
Arquivo Canção Nova''A encíclica nos vem, não
apenas para a melhor vivência do Ano da Fé, mas para compreender e viver melhor
a própria fé''
Era bem esperada uma encíclica sobre a fé,
ainda no Pontificado de Bento XVI. De fato, ele já havia escrito uma sobre a
caridade (Deus caritas est – Deus é Amor) e uma sobre a esperança (Spe salvi –
Salvos na Esperança). Faltava uma sobre a fé, para completar a trilogia de
ensinamentos pontifícios sobre as virtudes teologais, dons preciosos recebidos
de Deus no Batismo.
E foi o Papa Francisco quem nos deu a
encíclica Lumen Fidei (A Luz da Fé), sobre a fé, bem no decorrer do Ano da Fé.
Ele mesmo, no entanto, já havia dito, quando a anunciou há poucas semanas, que
seria uma encíclica “escrita a quatro mãos”, uma vez que seu predecessor já
havia trabalhado, antes de abdicar ao pontificado, em vista de sua publicação.
Acesse
.: Leia a Encíclica Lumen Fidei na íntegra
A encíclica nos vem, não apenas para a melhor
vivência do Ano da Fé, mas para compreender e viver melhor a própria fé. Não é
um texto para ser analisado com mera curiosidade intelectual, ou com o intuito
de fazer uma análise teológica sobre ele; seria muito pouco. Bem mais, ele deve
ser lido e degustado com o desejo de compreender e acolher cada palavra dita com
amor de pai por quem fala com a sabedoria adquirida ao longo de uma existência
e com o desejo de comunicar coisas essenciais à vida dos filhos...
É interessante notar que o Papa não fala da
fé a partir das “verdades da fé”: o primeiro capítulo traz o título –
"acreditamos no amor". Nosso ato de fé é precedido pelo amor de Deus,
que se manifesta ao mundo e nos faz experimentar seu amor salvador; a
experiência do amor precede a fé! Não é também isso que acontece entre as
pessoas? Quando duas pessoas se amam verdadeiramente, elas passam a acreditar
profundamente uma na outra...
É o que já ouvimos do Papa emérito Bento XVI
em outras ocasiões: nossa fé e nossa experiência religiosa não decorrem de uma
doutrina perfeita, nem de um ideal ético altíssimo, mas do encontro com a
pessoa de Deus, amoroso e fiel, que se revelou, veio ao nosso encontro e nos
amou. É a isso que o Papa se refere quando fala, na encíclica, sobre Abraão,
nosso pai na fé, a experiência histórica e mística do Povo de Israel, a vinda
do Filho de Deus ao mundo e a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
“Ele me amou e por mim se entregou na cruz”,
exclama São Paulo, depois de fazer a experiência do encontro com Jesus Cristo
no caminho de Damasco; sua fé foi vivíssima e inabalável porque experimentou o
“mistério” do amor de Deus, manifestado em Cristo Jesus. Para os apóstolos e
para os grandes cristãos, que foram e são os santos, falar da fé não significou
tratar de verdades abstratas, bem elaboradas pela razão humana; eles falavam,
antes de tudo, da pessoa de Deus e de Jesus Cristo, de sua ação envolvente,
especialmente de seu amor misericordioso e de sua providência. As verdades da
fé e da moral, também elaboradas bem como doutrinas, seguem depois disso.
A encíclica fala, no capítulo 2º, que é
preciso crer para compreender; de fato, a fé é um dom sobrenatural, que nos é
dado como luz forte, que nos faz perceber melhor aquilo que queremos
compreender. É o contrário do que, geralmente, as pessoas imaginam: não é “ver
para crer”, mas “crer para ver”. Na ordem da fé, podemos dizer: quem crê
compreende mais e melhor. Não é que a fé dispensa o esforço da razão e o
estudo: fé e razão completam-se e não devem ser opostas, nem tidas como
excludentes.
Um belo capítulo trata da transmissão da fé:
esta é uma das preocupações sérias da Igreja em nossos dias. O Papa fala que a
Igreja é “a mãe da nossa fé”. Esta não é um fato individual e subjetivo: aquilo
que cremos foi transmitido a nós, vem de longe, dos apóstolos! “Transmiti-vos
aquilo que eu mesmo recebi”, observou São Paulo (1Cor 15,3). Cremos no
testemunho de quem creu primeiro; e temos motivos bons para fazer isso! Cremos
com quem já creu, os mártires, os santos, os mestres da fé ao longo da
história. Cremos e temos o compromisso de continuar a transmitir hoje essa
preciosa herança da fé!
Enfim, a encíclica trata das obras da fé. “A
fé, sem as obras, é morta em si mesma”, já advertia São Tiago! Mas não se trata
de opor as obras à fé: estas são decorrência e fruto da fé verdadeira. Crendo,
nós nos colocamos na sintonia com o plano de Deus sobre este mundo e sobre a
nossa vida. E então, surgem as obras da fé e cessam as obras contrárias à fé,
porque são contrárias a Deus e ao seu amor!
Cardeal
Odilo Pedro Scherer
Arcebispo
de São Paulo
@DomOdiloScherer
Terça-feira, 09 de julho de 2013, 14h12
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