Em 2002 Simão Jatene era um traço nas pesquisas eleitorais. O uso da máquina pública o tornou governador. Agora, quatro anos depois do fim do mandato, ele está de volta. Com uma perspectiva inédita: ser governador pela terceira vez através do voto. Um grande desafio.
Simão Jatene entrou no dia 1º para o seleto grupo dos políticos que conseguiram ser eleitos duas vezes para o governo do Pará. Dos vivos, só Alacid Nunes, Jader Barbalho e Almir Gabriel o ombreiam. Em relação ao passado mais remoto, o número é ainda menor. Essa façanha tem ainda dois componentes que a distinguem das demais. Jatene nunca tinha sido candidato a um cargo eletivo quando se apresentou para disputar o governo pela primeira vez, em 2002. Foi, durante os oito anos anteriores, o mais poderoso dos secretários do médico Almir Gabriel, o primeiro governador a se beneficiar do instituto da reeleição no Pará (1995/2002). Mesmo assim, quando a campanha eleitoral começou, o candidato do PSDB era apenas um traço nas pesquisas de votos.
O resultado estava coerente com a forma de proceder de Jatene como o homem forte da administração estadual. Os políticos reclamavam de não serem recebidos pelo secretário, que controlava as verbas públicas. Quando recebidos, tinham que esperar na fila, às vezes por longo tempo. E nem sempre saíam com uma decisão do gabinete cujo titular não primava pela convicção sobre o que fazer – ou a rapidez na execução das deliberações. Dizia-se que era mais um homem do processo do que do produto.
Desde que começou na vida pública, como secretário de planejamento no primeiro governo de Jader Barbalho (1983/86), Jatene seguiu o modelo da tecnocracia, que tinha prevenção pelos políticos, refratários aos ajustes técnicos e às diretrizes programáticas. Fora até então professor de economia da Universidade Federal do Pará, com mestrado na Unicamp, em Campinas. Antes, circulava pelas noites, com um violão na mão e composições debaixo do braço, cantando com sua então esposa, Heliana. Naquele tempo, nenhum dos seus amigos e companheiros de boemia poderia imaginar que ele se tornaria político algum dia. Muito menos governador.
Para que Jatene se tornasse seu sucessor, o governador Almir Gabriel usou e abusou da máquina pública, excedendo o limite da responsabilidade. E foi uma vitória difícil. Talvez por isso, Almir achou que Jatene, lhe devendo tudo, se submeteria a todas as suas vontades. Não hesitou em atropelar o direito que o correligionário tinha de concorrer a um segundo mandato, como fizera seu antecessor; se apresentou de novo como candidato tucano em 2006, quando as sondagens mostravam que seu substituto tinha agora mais popularidade do que ele.
Conforme o seu estilo, Jatene evitou o confronto com o padrinho e recuou. A disputa terminou como se delineou a partir do momento em que o ex-governador – e não o governador no cargo – foi oficializado como o candidato tucano: Almir, já muito desgastado, tornou possível a vitória da candidata do PT, Ana Júlia Carepa, até então considerada inviável. Nem os petistas apostavam nela.
Seu grupo, a Democracia Socialista, não só era minoritário no partido. Era também o mais sectário, com menos trânsito com outros partidos. Seu capital de voto praticamente se reduzia à própria Ana Júlia, graças à sua principal virtude: ser “palanqueira”, simpática, extrovertida e de linguagem adequada às ruas. Para Almir, entretanto, mais do que o enfraquecimento do seu nome, o que decidiu sua derrota foi a omissão de Jatene, que não retribuiu ao apoio que recebeu em 2002 do então governador.
A volta de Simão ao governo, depois de quatro anos de afastamento do poder, e não através de reeleição, é outra característica especial desse segundo mandato. Da mesma forma que Ana Júlia não queria ser candidata ao governo em 2006, ele não manifestava disposição para uma nova eleição quando 2010 começou. Seu nome foi se fortalecendo à medida que alternativas de outros partidos se enfraqueciam ou eram logo descartadas. Afinal, o PT conseguira formar a maior de todas as coligações para uma eleição em muitos anos no Pará, agrupando 14 partidos. E a propaganda oficial dizia que o governo Ana Júlia tinha a adesão popular.
Contra ela acabaram restando apenas duas forças, praticamente sozinhas: o PSDB e o PMDB. Jader Barbalho apresentou seu candidato, o deputado estadual Domingos Juvenil. Como José Priante anteriormente, Juvenil se dispunha ao sacrifício de ficar sem mandato, caso não fosse eleito, em troca de uma compensação à altura. Quem poderia oferecê-la?
Jatene, é claro. Já então ele era o favorito, mesmo tendo contra si a máquina do governo e, a princípio, sem dispor de recursos para uma campanha à altura de uma eleição majoritária. Contava, porém, com o péssimo governo do PT, que não conseguia fazer a rejeição a Ana Júlia baixar a um patamar aceitável (abaixo de 50%), sem o qual, mesmo que tivesse circunstâncias favoráveis, dificilmente venceria. E com o suporte de Jader Barbalho nos bastidores, sobretudo quando, resistindo às pressões do Palácio do Planalto, ele se recusou a passar para o lado petista.
O peso do líder do PMDB na vitória de Jatene se traduz agora, pela entrega de cinco secretarias a um partido que não apoiou oficialmente o candidato do PSDB. Nenhum outro partido recebeu tanto. Jatene teve ainda que dividir parte do seu poder com outras correntes políticas, que contribuíram, com maior ênfase no interior, para se contrapor ao forte esquema de compra de voto do PT. Daí o seu secretariado se apresentar como algo flagrantemente híbrido, partilhado entre políticos e técnicos, multifacetado e poroso.
O novo governador sabe que a herança é pesada. Tão difícil que ele assume sem um programa, sem sequer delinear perspectivas para o Estado. Parece mais interessado de imediato em acertar as contas e estruturar a ação para só depois decidir o que irá fazer. Os lugares-chave, a espinha dorsal da administração pública, foram ocupados por técnicos, com ênfase nas áreas fazendária, planejamento, segurança, saúde e meio ambiente (que se notabilizou mais pelo acompanhamento constante da Polícia Federal do que por suas realizações). As outras posições foram preenchidas de acordo com critérios mistos ou simplesmente políticos.
É uma composição inevitável porque o Estado é grande e sua representação política rarefeita, com pouca expressão doutrinária, guiada pelo compadrio e o fisiologismo. É preciso garantir a maioria na Assembléia Legislativa, onde o que menos conta é o interesse público. Mas esse hibridismo aguado não deixa de frustrar as expectativas dos que imaginavam que Jatene, livre das amarras a Almir Gabriel e com potencial de autonomia, pudesse formar um governo de melhor presença. Capaz de acabar com uma característica da história recente do Pará: qualquer que seja o partido ou a pessoa no governo, o Estado não deixa de crescer e de se empobrecer ao mesmo tempo, não aproveitando o que há de melhor nesse processo econômico.
No vértice dessa contradição está uma personagem de grandeza tal que se torna impossível fazer alguma coisa no Pará sem passar por ela: a antiga Companhia Vale do Rio Doce. Em 2010 ela deve ter faturado 10 vezes mais do que o Estado, devolvendo-lhe, na forma de imposto, menos de 1% do que o Estado arrecadou. Essas contas refletem, ao mesmo tempo, a grandeza e a pobreza do Pará em função de certo parasitismo de uma única empresa em seu território, com um peso sem igual em qualquer outro Estado.
O que disse Jatene sobre a Vale durante a campanha? O que de mais grave foi apregoado a respeito saiu da boca do seu ex-companheiro de partido. Almir Gabriel acusou o pupilo de ter-se tornado empregado da Vale depois que deixou o governo e estar comprometido com a empresa. Mas não apresentou qualquer prova. Ainda assim, pelo tom incisivo das suas afirmativas, elas ficaram ecoando. Criam uma expectativa sobre o procedimento de Jatene em relação à mineradora. Outros já a confrontaram, às vezes de forma rude. Mas não foram inteligentes nessa posição, não trouxeram vantagens para o Estado nem corrigiram os rumos de um processo flagrantemente colonial.
O que fará Jatene durante o novo mandato? O que se pode esperar que faça de substancial com a equipe que formou? Conseguirá preservar a integridade, a transparência e a eficácia do núcleo técnico do seu governo? Talvez esse secretariado seja apenas para começar, mudando em seguida. Dependendo do momento dessa segunda etapa, é de se duvidar que seja para melhor. Porque já então estará na hora de pensar no segundo mandato. E para Jatene se abrirá a perspectiva única de ser o primeiro político a conseguir ser eleito três vezes governador.
Como a maioria dos seus antecessores, ele poderá se concentrar na costura política dos apoios para obter votos. Se fizer assim, obterá uma vitória de Pirro, como foi a de Ana Júlia Carepa. Se levar a sério o desafio de interromper a rotina esquizofrênica que combina crescimento com pobreza, poderá até não chegar ao cobiçado terceiro mandato, mas garantirá ao segundo a perenidade na história.
Por: Lúcio Flávio Pinto
Fonte: O Estado do Tapajos On Line