quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O assassinato de Elinaldo Barbosa – parte I


Postado por Jeso Carneiro em Artigos, Memória
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por Apolinário (*)

Dedico esses escritos a Paulo Cidmil, sobrinho de Elinaldo Barbosa, e à neta de Severino Frazão que mora em Curitiba

Foi numa manhã de sábado, 14 de fevereiro de 1969, aproximadamente às 6h30, quando Zeca BBC atravessava a Praça da Matriz com seu olhar sempre atento e vasculhando todos os movimentos para tomar nota do que estava acontecendo de certo e errado.

O céu estava nublado, chovia fino e fazia frio, o furioso rio Amazonas rompia o limite invadindo o calmo e azul rio Tapajós, distorcendo a linha reta em que na maioria das vezes os dois rios se encontram. Os bem-te-vis melancolicamente cantavam por entre os galhos dos benjaminzeiros, diferente das outras manhãs que Zeca BBC estava acostumado a ouvir.

O vento era rasteiro e assoviava uma melodia que se dividia com o arrastar das folhas secas no chão. Nesse dia, Zeca BBC (conhecido assim por ter sido ouvinte assíduo da rádio BBC de Londres) amanheceu com uma séria impressão de que algo muito estranho estava prestes a acontecer.

Qualquer gesto lhe parecia suspeito de ser o acontecimento que a sua premonição denunciava. Para a sua satisfação, finalmente ele conseguiu identificar um movimento estranho. Eram os primeiros passos do trágico e histórico acontecimento desse dia. Ele viu Severino Frazão sair da igreja na metade da missa celebrada pelo saudoso Frei Fabiano. Nessa época e nesse horário, ninguém saía da igreja antes da comunhão.

Severino Frazão era ex-policial, casado com dona Dica, grande artesã santarena. Ele sofria de esquizofrenia e nesse período andava muito atormentado com alguns acontecimentos na política do município, que contrariavam sua vontade, sem contar com o atraso do seu salário do mês de janeiro.


Era funcionário da prefeitura, trabalhava no mercado local, onde também tinha uma pequena venda de café, pão e cigarro. Sua maior insatisfação era pelo simples fato de todos os outros funcionários terem recebido o salário do mês anterior, e ele não.

Dentro e fora do mercado isso era motivo de gozação. Todo mundo dizia:
- Ei, Severino, o prefeito Elinaldo Barbosa anda dizendo que não te paga porque não quer.

Na verdade a sua maior indignação aconteceu quando o prefeito Elias Pinto foi afastado do cargo.

Elias venceu as eleições, massacrando nas urnas um forte adversário: Ubaldo Corrêa! Político habilidoso, eloqüente, inteligente, elegante e de família nobre. Alguns intelectuais da época achavam que Ubaldo desenvolvia um jeito de fazer política muito perigoso. Com cautela fazia qualquer trama para obter o resultado desejado, sem se importar com os que sairiam feridos.

Não aceitando a derrota, Ubaldo deu início a uma campanha de perseguição contra Elias Pinto. Ele era muito bem relacionado com o governo do Estado, tinha muita influencia com o Tribunal de Contas dos Municípios, e ainda conseguiu trazer para sua equipe homens de “confiança” de Elias Pinto. Um dos secretários do governo de Elias, que teria resistido ao assédio de Ubaldo, é o ex-prefeito Ronaldo Campos, na época bem jovem e saudável. Estava como secretário de Obras, cargo que hoje é ocupado por Alba Valéria Lima.

Ronaldo Campos teria sido convidado várias vezes para se reunir com Ubaldo às escondidas, recebendo a proposta de conspirar contra Elias, mas não aceitou. A idéia era forjar documentos que comprometesse as contas do governo. Tendo Ronaldo Campos se negado, outras fontes foram tentadas e assim Elias Pinto foi cassado.

O cargo foi assumido pelo então presidente da Câmara Jerônimo Diniz. Elias Pinto disse em discurso que voltaria, mas nada foi feito durante o governo de Jerônimo, pois o mesmo não cheirava, não fedia, não amava e nem odiava, deitava-se com gregos e troianos.

Logo depois houve a eleição para outro presidente da Câmara, dessa vez foi eleito Elinaldo Barbosa, que automaticamente teria que assumir o cargo como prefeito, tendo como vice o senhor Fábio Lima.

Foi exatamente no governo de Elinaldo que Elias Pinto tentou voltar, influenciado indiretamente por forças projetadas por Ubaldo com a intenção de fragilizar cada vez mais a situação e ganhar saldos com o governo estadual, para realizar um outro projeto que tinha: abrir uma brecha para o governador mandar de Belém um prefeito nomeado para controlar a crise.

Mas isso só daria certo se na revolução da volta de Elias Pinto, Elinaldo Barbosa fosse acidentalmente assassinado, coisa que não aconteceu, mas não ficou descartado. Todo esse rebuliço era uma grande canção infernal que nunca diminuía o volume dentro da cabeça de Severino Frazão. Ele, que a partir daí era ferramenta do plano de executar Elinaldo Barbosa.

A equipe de Ubaldo sabia que seria muito fácil envolver Severino, e depois ficaria na história que o assassinato foi apenas resultado de loucura.

Então, Severino saiu pela metade da missa com uma arma que a ele foi entregue dentro da igreja, por isso saiu antes receber a hóstia sagrada. Seguido por Zeca BBC, ele se dirigiu ao mercado, pois sabia que o prefeito Elinaldo ia tomar cafezinho todos os dias com o irmão, Seu Zizito, atual dono do bar Espelhão, que tinha um pequeno mercantil dentro do mercado, onde vendia de tudo: arroz, farinha, feijão, rede, carboreto, lamparina, pilha, zíper, roupas, sapatos, sandálias, linha e botão.

Com um olhar de caçador assustado, Severino parou na porta do comércio de Zizito e fez uma expressão de decepção, pois nesse dia Elinaldo não foi ao mercado. Severino cumprimentou Zizito, levantando as sobrancelhas e seguiu na direção da residência de Elinaldo, na travessa Senador Lemos, entre Galdino Veloso e Rui Barbosa. Ele bateu palma tensamente na frente da casa, foi atendido e pela pessoa que o atendeu foi informado que o prefeito estava em reunião na prefeitura, atual museu João Fona. Já eram mais de 8 horas e Severino apressou os passos para executar a tiros o prefeito interino Elinaldo Barbosa.

Obs.: Na minha próxima aparição aqui no blog, não percam a segunda parte dessa história.

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