segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Revista Época entrevista Dilma Rousseff: 'Eu sou um poste?'



A Revista Época conseguiu uma entrevista com a candidata à Presidência, a ministra Dilma Rousseff. Ela desafia os adversários a demonstrar maior experiência de governo do que ela. Confira no Vooz.

Por Eumano Silva, Guilherme Evelin e Helio Gurovitz da Revista Época

Dilma Rousseff já fala como candidata à presidência. Falou pela primeira vez numa entrevista a ÉPOCA, concedida na última quinta-feira, dia de abertura do Congresso do PT que a aclamou como o nome do partido para disputar a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Escolhida candidata por Lula, Dilma se apresenta como a melhor alternativa para dar continuidade aos projetos do atual governo. E faz questão de rebater a acusação dos adversários de que seja apenas um títere do presidente: “Duvido. Duvido que os grandes experientes em gestão tenham o nível de experiência que eu tenho. Duvido”. Mas, questionada sobre a possibilidade da volta de Lula em 2014, Dilma aceita a hipótese. “Sem sombra de dúvida, ele pode. O presidente chegou a um ponto de liderança pessoal, política, nacional e internacional que o futuro dele é o que ele quiser”, diz a ministra-chefe da Casa Civil – posto de Dilma até 2 de abril, quando deverá deixar o cargo para disputar as eleições presidenciais.

Na entrevista de quase duas horas, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória da Presidência da República, Dilma expôs suas credenciais para comandar o Brasil, debateu planos de governo e falou claramente o que pensa sobre temas como o tamanho do Estado na economia, as privatizações, o aborto, a descriminalização das drogas, o câncer e a iminência de se tornar avó. Dilma chegou e saiu sorridente – como uma candidata pronta para desfazer a imagem da tecnocrata inflexível com que foi frequentemente caracterizada antes de sonhar com o Palácio do Planalto.

ÉPOCA – O que qualifica a senhora para ser presidente da República?
Dilma Rousseff – O governo Lula deu um passo gigantesco. Construiu um alicerce em cima do qual você pode estruturar a transformação de que o Brasil precisa. A partir de 2005, o presidente me deu a imensa oportunidade de coordenar o segundo governo dele. Estávamos enfrentando uma crise muito forte (o escândalo do mensalão) e uma disputa que tentava inviabilizar o governo. Ainda não tínhamos conseguido implantar a estabilidade de forma definitiva. A inflação e as contas públicas estavam sob controle, mas o crescimento ainda era baixo. As reservas também. Aí o investimento entrou na ordem do dia, e modificamos o jogo no segundo mandato do governo Lula. Tive a oportunidade de entrar exatamente nessa grande crise.

ÉPOCA – Em algum momento o presidente disse que a senhora seria candidata?
Dilma – O presidente nunca chegou para mim e disse: “Você vai ser a sucessora do meu governo”. Ele avaliou que participei da elaboração das principais políticas: o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o pré-sal, a TV Digital, a banda larga nas escolas. Todos os projetos do governo, de alguma forma, passaram pelo presidente e por mim. Uma das coisas que me credenciam para ser presidente é que conheço hoje o governo brasileiro de forma bastante circunstanciada, precisa e profunda. E conheço as necessidades para dar continuidade a esses projetos.

ÉPOCA – O que seria, num eventual governo da senhora, o passo seguinte?
Dilma – No Brasil, os governos sistematicamente não tinham projeto de desenvolvimento econômico-social que incluísse todos os brasileiros. A grande novidade do governo Lula é o olhar social. Não só porque estendemos benefícios econômicos aos mais pobres. Há uma profunda mudança cultural e moral quando você torna a população mais pobre do Brasil legítima interessada no desenvolvimento. A reação ao Bolsa Família mostra a aversão elitista a políticas sociais num país com a desigualdade do Brasil. Quando chamam o Bolsa Família de “bolsa-esmola”, é porque veem a política social como uma coisa ultrapassada. Alguns dizem que essa é a continuidade do passado. Não é. É a maior ruptura com o passado. Não dá para falar: “Eu fiz o Bolsa Família antes”. Ah é? Fez para quantos? O que buscamos é uma política para cuidar dos 190 milhões. Se você perguntar para mim: “Tá completo?”. Vou falar: “Nããão”.

ÉPOCA – Como presidente, o que a senhora faria que o governo Lula não fez? Como imprimiria sua marca?
Dilma – Vou participar até o dia 2 de abril do imenso esforço deste governo para mudar o Brasil. Isso me dá condições de olhar para a frente e falar que você não faz em oito anos uma transformação tão profunda. Há coisas que precisam de mais tempo para maturar. Talvez eu dê mais impulso e acelere mais, se eu ganhar a eleição, mas você vai precisar de uma sucessão de governos. Um exemplo: toda a política de inovação em pesquisa tecnológica. Conseguimos fazer um pedaço. Mas é preciso fazer no futuro muito mais: desenvolver uma cadeia de inovação para fármacos, uma para nanotecnologia, cuja infraestrutura já começou a ser feita. Entrar na economia do conhecimento é fundamental na próxima gestão. Teremos de dar suporte às universidades públicas, que estavam sucateadas, voltar a fazer pesquisa básica, dar suporte para termos trabalhadores especializados no ensino médio. Isso leva décadas.

ÉPOCA – Que papel a senhora vê para o Estado nesse processo? Ele tem de ser dono de empresas? Ou estabelecer regras para garantir um ambiente estável para os negócios prosperarem?
Dilma – Os países ocidentais e desenvolvidos organizaram seus Estados para dar suporte à sociedade e às empresas privadas. Tanto é assim que um dos maiores compradores e organizadores da demanda privada nos EUA é o Pentágono, né? Essa discussão de Estado empresário é uma discussão da década de 50. Não é a deste momento no Brasil. Agora, somos contra a privatização de patrimônio público ou de estatais como Petrobras, Furnas, Chesf, Eletrobrás, Banco do Brasil, a Caixa. Essa é uma posição de governo que não tem nada a ver com Estado empresário, mas com a preservação do patrimônio público.

Fonte: Revista Época

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