Buzinaços
foram ouvidos nas ruas de Buenos Aires logo após o anúncio da escolha do
cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, como novo papa. Mas as
comemorações logo deram lugar às manifestações de apoio ou repúdio ao novo
pontífice.
Logo
após o anúncio, fiéis católicos se reuniram nas escadarias da Catedral de
Buenos Aires, no centro da cidade. Com bandeiras azuis e brancas, as cores da
Argentina, gritavam: 'O papa é argentino' e 'Salve Bergoglio'.
A
catedral fica a poucos passos da sede da Presidência da República, a Casa
Rosada, e em frente à Praça de Maio, símbolo dos protestos em defesa dos
direitos humanos e contra os crimes da ditadura, com a qual o agora papa
Francisco foi acusado de colaboração por um jornalista local.
Nas
ruas, a euforia durou poucos minutos. O clima ainda era de surpresa e, ao mesmo
tempo, de orgulho com o nome de um papa argentino. 'Temos rainha (princesa
Máxima, mulher do príncipe herdeiro da Holanda), temos Messi e agora o papa',
disse a comerciante Maribel Cortinez, de 36 anos.
'Ele
nos acolheu, nos abraçou e se emocionou com cada um de nós quando perdemos
nossos filhos naquela tragédia de Cromañon', disse, nesta quarta-feira, o pai
de uma das vítimas do incêndio em uma discoteca que deixou dezenas de mortos em
2004, em Buenos Aires.
Nas
principais emissoras de rádio e de televisão do país, como os canais TN e C5N,
comentaristas destacavam a 'austeridade' de Bergoglio, que costumava viajar de
metrô e de trem na capital argentina, e suas homilias criticando a exclusão social
e a corrupção nos governos.
'Um
povo que não cuida de suas crianças e de seus idosos é um povo em decadência',
disse ele em uma missa.
Casamento
gay
Suas
declarações polêmicas incluíram a condenação publica ao então projeto do
casamento entre pessoas do mesmo sexo, aprovado em 2010 no país, transformando
a Argentina no primeiro país da região a adotar a medida.
'Não
sejamos ingênuos, não se trata de simples luta política, mas a pretensão
destrutiva ao plano de Deus, o de um homem e uma mulher crescerem e se
multiplicarem', afirmou.
Os
sacerdotes que trabalharam com ele, em Buenos Aires, onde nasceu e foi cardeal,
disseram à imprensa local que 'ele condenou as críticas e a falta de respeito
aos gays'.
Outro
tema controverso foi seu papel durante a ditadura argentina (1976-1983), com
acusações de que teria sido 'omisso' ou 'cúmplice' naqueles anos de chumbo e,
principalmente, suas diferenças públicas com o governo do ex-presidente Nestor
Kirchner (2003-2007), morto em 2010, e de sua mulher e sucessora, a presidente
Cristina Kirchner.
Em
um discurso, transmitido ao vivo pelas emissoras de televisão do país, nesta
quarta, Cristina Kirchner disse que espera que ele 'defenda o diálogo' e 'os
excluídos'. Mas quando ela citou o nome do papa Francisco, setores da platéia
vaiaram e outros aplaudiram.
Cristina
fez um gesto pedindo silencio, e lembrou que Francisco 'é o primeiro papa
latino-americano'. 'É um dia histórico para a América Latina. Desejamos ao papa
Francisco toda a sorte do mundo nesta missão pastoral'. O público, então,
aplaudiu.
Ditadura
BBC
Brasil
O
porta-voz da Presidência, Alfredo Scoccimarro, disse que a presidente
comparecerá à posse do novo papa, no Vaticano. Analistas disseram às rádios
locais que a presidente 'não compareceria à posse caso Bergoglio tivesse
vínculos com a ditadura'.
A
polêmica sobre o posicionamento de Bergoglio durante a ditadura foi destaque
nas redes sociais. 'Um cardeal que não excomungou (o ex-ditador Jorge Rafael)
Videla nunca será um papa para todos e todas', escreveu em seu mural no
Facebook a transexual Melisa Stella Saagratta.
A
denúncia sobre os supostos vínculos de Bergoglio com o regime militar foi feita
pelo jornalista Horacio Verbitsky, no livro El Silencio. Segundo ele,
testemunhos de vítimas do regime indicavam em 1976 Bergoglio, então chefe da
congregação jesuíta na Argentina, teria retirado a proteção a dois sacerdotes
de sua ordem que realizavam tarefas sociais em bairros pobres de Buenos Aires.
Os
dois religiosos - Orlando Yorio e Francisco Jalics- foram detidos em 1976 e
ficaram presos por cinco meses na Escola Mecânica da Marinha, local conhecido
por ter sido um dos principais centros de tortura durante a ditadura argentina.
Bergoglio
posteriormente rechaçou as acusações. 'Fiz o que podia, com a idade que tinha e
os poucos relacionamentos com que contava, para advogar por pessoas
sequestradas', disse. Ele afirmou que não havia respondido às acusações
imediatamente para 'não fazer o jogo de ninguém, não porque tivesse algo a
ocultar'.
O
cardeal também foi chamado como testemunha em processos relacionados à
ditadura, como o caso do desaparecimento de uma mulher grávida, filha de uma
das cofundadoras da organização Avós da Praça de Maio, ou o sequestro e
assassinato de um padre francês na província de La Rioja, em 1976.
'Segundo
a fonte que se consulte, Bergoglio pode ser definido como o homem mais generoso
e inteligente que já existiu ou um maquiavélico que traiu seus irmãos e os
entregou ao desaparecimento e à tortura aos militares', escreveu Verbitsky.
O
Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, que recebeu o prêmio por seu ativismo
durante o último regime militar, disse à BBC Mundo que 'o papa (Francisco) não
tinha vínculos com a ditadura'.
O
escritor Ceferino Reato, autor do livro Disposición final, no qual Videla
reconhece o desaparecimento de vítimas da ditadura, disse à BBC Brasil:
'Bergoglio é austero, atento com o cotidiano dos pobres, apóia fortemente o
trabalho dos sacerdotes nas favelas. É um homem inteligente e a favor do
diálogo com o judaísmo e o islamismo. Sobre as acusações sobre seus vínculos
com a ditadura, Bergoglio disse que, ao contrário, que ele se preocupou com
estes sacerdotes (dois jesuítas) e conseguiu que a Marinha os liberasse',
disse.
Reato
afirmou que 'uma das criticas de Bergoglio ao casal Kirchner (Nestor e Cristina
Kirchner) é que defendem os direitos humanos agora, na democracia, mas não o
fizeram durante a ditadura', afirmou o escritor.
'Caráter
forte'
Especialista
em questões sobre a Igreja Católica, José Ignácio López disse à imprensa
argentina que Bergoglio 'sempre denunciou a corrupção' no país.
'De
(ex-presidente Carlos) Menem até hoje, ele sempre denunciou a corrupção,
condenou a inflação e esteve ao lado dos familiares das vítimas da tragédia da
(discoteca Republica) Cromañon e da tragédia do trem na estação Once (na
capital argentina, em 2012, que matou 51 pessoas)', afirmou López.
Setores
da oposição ao governo central afirmam que 'ninguém do governo compareceu
nestas tragédias, mas ele sim'.
O
padre Alejandro Bunge, professor da UCA (Universidade Católica Argentina),
disse que Bergoglio tem 'gênio forte, ouve muito, mas não deixa de dizer o que
pensa de forma direta'.
O
rabino Abraham Skorka, reitor do Seminário Rabínico Latino-americano, em Buenos
Aires, contou à imprensa local que costuma conversar com Bergoglio e que ele
'ouve os diferentes credos'. 'E que Deus o abençoe, porque merece estar ali',
disse.
A
série de comentários sobre o novo papa incluiu declarações de apoio de
políticos da oposição ao governo da presidente Cristina Kirchner, com quem
Bergoglio mantinha diferenças públicas.
'Quando
saiu o anúncio do nome de Bergoglio como papa, a bancada do governo na Câmara
dos Deputados parecia que estava num velório. Por favor, é o primeiro papa
latino-americano e deveríamos estar comemorando', disse a deputada Elisa
Carrió, da opositora Coalición Cívica.
O
deputado e cineasta Fernando 'Pino' Solanas, do Projeto Sur, afirmou 'lamentar'
que o governo atual 'não tenha dialogado com Bergoglio, homem preparado,
defensor dos excluídos e do diálogo com os diferentes setores e credos'.
Antes
de ser papa, Bergoglio foi definido como 'muito argentino' e 'muito portenho'
na biografia 'El Jesuíta' ('O Jesuíta') assinada pelos jornalistas Sergio Rubin
e Francesca Ambrogetti, de Buenos Aires. 'Torcedor do time de futebol San
Lorenzo, apaixonado por tango e leitor do escritor Jorge Luis Borges',
descreveram.
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BBC
Brasil
Atualizado:
14/03/2013 05:36 | Por BBC, BBC Brasil
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