segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Papa Francisco revigora a Igreja nos primeiros meses de seu pontificado


Primeiro latino-americano no posto, Francisco promete mudanças profundas.

Plano de reformas enfrenta reação dos setores mais conservadores.

O ano de 2013 vai ficar marcado por importantes mudanças de rumo na Igreja Católica com a surpreendente renúncia doPapa Bento XVI e a escolha, em março, do primeiro Papa latino-americano, o jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio. Ao longo do primeiro ano de papado, Francisco promoveu profundas transformações dentro e fora dos muros do Vaticano. Em poucos meses, o Papa Francisco tirou a Igreja da agenda negativa em que vivia: disputa de poder na Cúria Romana, suspeitas de fraude no Banco do Vaticano, vazamento de documentos secretos, escândalos de pedofilia. Com seu estilo simples e pastoral, o novo Papa conquistou as massas, aumentou a frequência nas Igrejas e deu novo vigor aos fiéis.
As pessoas estão indo a Roma para tocar no Papa Francisco"
Dom Raymundo Damesceno
É uma revolução que estava esperando a Igreja e o mundo durante muitos séculos"
Juan Arias, vaticanista do 'El País'
“As pessoas, no tempo do Papa João Paulo II, iam a Roma para ver o Papa. No tempo do Papa Bento XVI, as pessoas iam para escutar o Papa Bento XVI, e agora as pessoas estão indo a Roma para tocar no Papa Francisco”, afirma o cardeal Dom Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida e presidente da CNBB.
“Conheci sete papas. É a primeira vez, em muitos séculos, que estamos em frente a uma grande revolução, a maior revolução da história. Esta volta deste papa, em gestos, na sua vida, no seu modo de entender a nova teologia, voltar uns mil anos atrás, essa é uma revolução que estava esperando a Igreja e o mundo durante muitos séculos”, opina Juan Arias, vaticanista do jornal espanhol 'El País'.
A primeira grande aparição internacional do novo papa foi no Rio de Janeiro, em julho, durante a Jornada Mundial da Juventude. Os olhos do mundo estavam em cada gesto e reação de Francisco. Foi durante a visita ao Brasil que oPapa concedeu a primeira entrevista exclusiva, que foi ao ar na GloboNews. Na conversa com Gerson Camarotti, ele antecipou as principais diretrizes do pontificado: condenou o luxo e pregou uma Igreja mais simples e acolhedora. "Para mim, é fundamental a proximidade da Igreja, porque a Igreja é mãe. E nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe dá carinho, toca, beija, ama”, declarou o Papa Francisco. O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, reforça as palavras do Papa Francisco: “Sentimos que temos que arregaçar mais as mangas, servir mais, sermos mais livres, mais presentes. Isso é um caminho que começa a se abrir diante de nós”.
 

O Papa Francisco é uma pessoa que encarna o discernimento em todas as suas escolhas"
Antonio Spadaro, jesuíta italiano
Em outra entrevista, Francisco aprofundou o tema. Foram três encontros com o jesuíta italiano Antonio Spadaro. O resultado foi publicado em setembro, na revista ‘La Civiltà Cattolica’. “O Papa Francisco é uma pessoa que encarna o discernimento em todas as suas escolhas, em toda a sua vida. Portanto, cada decisão é amadurecida num processo de oração a partir dos sinais que ele vê da história”, aponta Spadaro.
O texto mostra que Bergoglio não tocará na doutrina da Igreja Católica, mas sinaliza para uma significativa mudança de tom na Santa Sé ao ressaltar que a Igreja não pode ser obcecada por temas morais como a condenação ao aborto, à contracepção e ao casamento entre homossexuais. “O Papa Francisco é a expressão da Igreja latino-americana, que sente a necessidade de um novo anúncio do evangelho, de uma atitude mais pastoral e missionária. Nesse sentido, com certeza há uma mudança de tom, de timbre”, analisa o padre Spadaro.
Mudança nas palavras e na atitude
A necessidade de mudança não se refletiu apenas no tom, mas também nas ações do novo Papa.  Em pouco tempo, Francisco substituiu os titulares de cargos estratégicos na Cúria Romana. Na congregação do clero, saiu o cardeal conservador Mauro Piacenza e entrou o arcebispo Beniamino Stella.  Para a secretaria de estado, o Papa substituiu o ex-poderoso cardeal Tarcisio Bertone pelo arcebispo Pietro Parolin.
Para aprofundar o processo de Reforma da Cúria, o governo da Igreja Católica, o Papa Francisco acionou o G8, como é conhecido o conselho de oito cardeais. Um dos primeiros resultados dos encontros foi a criação de uma comissão para proteger os menores vítimas de abusos sexuais e combater os casos de pedofilia no clero. “O fato de ter pessoas que com ele, juntos, compreendem aquilo que é importante para a Igreja hoje”, afirma o padre Spadaro.
Ele [Papa Francisco] não quer governar a Igreja sozinho"
Dom Raymundo Damasceno
O cardeal de Aparecida e presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno, acredita que, no início de 2014, o Papa Francisco deve anunciar novas mudanças na Cúria Romana. “O Papa quer dar realmente um destaque especial nesse governo colegial. Então, através da Cúria Romana, através das conferências episcopais, através do colégio dos cardiais. Ele não quer governar a Igreja sozinho”, diz.
Além de levar a vida com extrema simplicidade, Francisco começou a cobrar o exemplo por parte dos integrantes da cúpula da Igreja. Numa decisão surpreendente, determinou o afastamento do bispo alemão Tebartz-Van Elst. Conhecido como ‘Bispo de Luxo’ por gastar cerca de 35 milhões de euros - mais de R$ 100 milhões - em uma casa paroquial, ele foi obrigado a deixar a diocese por um período indeterminado. Em outra atitude inédita, o Papa determinou que fosse enviado às paróquias de todo o mundo um amplo questionário para a preparação da Assembleia de Bispos sobre a Família. O questionário de 38 perguntas aborda de forma direta temas-tabu, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, adoção por casais homossexuais e o divórcio.
'Efeito Francisco'

Em apenas nove meses, a Igreja avançou em relação ao seu maior desafio atual: estancar a queda no número de católicos praticantes, pelo menos na Europa. Uma pesquisa do Centro de Estudos de Novas Religiões mostra que metade dos 250 padres entrevistados relatou aumento de público nas Igrejas italianas desde a eleição do cardeal argentino. O fenômeno foi batizado por especialistas de ‘Efeito Francisco’.  No Reino Unido, onde a pesquisa visitou 22 catedrais, o percentual é ainda maior: 65% disseram que houve aumento de frequentadores.

O 'Efeito Francisco' também chegou às redes sociais. Quando assumiu, a conta do Papa em um microblog tinha dois milhões de seguidores. No fim de outubro, atingiu a marca de dez milhões de seguidores, um salto de 400% em sete meses. “Santo Padre está muito preocupado em que o rosto da Igreja em relação a um país, em relação a uma cultura, se torne cada vez mais visível. Essa diversidade enriqueceria e enriquece muito a Igreja”, comenta dom Leonardo.
Se de um lado, Francisco teve sucesso na estratégia de atrair mais fiéis para a Igreja, por outro já começa a enfrentar reação de setores mais conservadores, incomodados com as mudanças. O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o arcebispo Ludwing Müller, afirmou em artigo no jornal ‘Observatório Romano’ que não se pode mudar a doutrina católica para readmitir os descasados nos sacramentos, uma referência indireta à posição mais liberal do Papa. O cardeal Marx, arcebispo de Munique, reagiu e afirmou que o monsenhor Müller não poderia impedir a discussão sobre a comunhão aos divorciados.
 

O Papa quer uma Igreja com as portas abertas"
Antonio Spadaro, jesuíta italiano
“O Papa quer uma Igreja com as portas abertas, quer uma Igreja pastoral, uma Igreja em missão, uma vez que esses são elementos fundamentais para o resgate da Igreja de hoje. Alguns poucos estão preocupados, pois pensam que essa atenção à missionariedade pode levar ao risco de perder alguma coisa” destaca o o jesuíta italiano Antonio Spadaro.
Fora da Igreja, também há críticas, como a dos integrantes do Tea Party, grupo americano de extrema-direita do Partido Republicano, que chamou Francisco de marxista. O próprio Papa, em entrevista ao jornal italiano ‘La Stampa’, afirmou não se sentir ofendido em ser chamado de marxista e defendeu a doutrina social da Igreja.
“Não é agora com o Papa Francisco que essas reações estão presentes. Eu pessoalmente penso assim, que é uma espécie de insegurança, de se buscar uma segurança em determinadas ideias, em determinadas afirmações, em determinadas normas. Talvez até diria uma segurança numa moral. O Santo Padre está insistindo que a segurança está no evangelho. A segurança não está numa doutrina”, diz dom Leonardo.
Plano de reforma
No primeiro documento escrito exclusivamente pelo novo Papa, Francisco apresentou o plano da maior reforma feita no Vaticano em pelo menos meio século ao propor a descentralização da Igreja. “Um dos problemas fundamentais que o Papa encontrava na sua vida como jesuíta, como ele diz na entrevista, é o fato de que ele se aconselhava muito pouco. Não tinham grupos de consulta. Tomava decisões imediatas, autônomas, muito pessoais. É um aspecto do Papa Francisco que nós não conhecíamos, muito diferente como ele tem se apresentado. Assim, o Papa, aprendeu por experiência pessoal a importância da troca de opiniões, ouvir os conselheiros, da discussão com os outros, do diálogo”, avalia Spadaro.
Na exortação apostólica intitulada ‘A alegria do evangelho’, Francisco diz preferir uma Igreja ferida e suja, porque esteve nas ruas, a uma Igreja doente por estar confinada e agarrada à sua própria segurança. Ele condena o que define como a "globalização da indiferença" e reafirmou a "opção preferencial pelos pobres". Ao destinar uma parte importante de seu texto à situação mundial, ele criticou o modelo econômico atual.

Em dezembro, Francisco foi eleito a personalidade do ano pela revista norte-americana ‘Time’. A editora ressaltou que o Papa se tornou a voz da consciência e que, poucas vezes, um novo ator no cenário mundial captou tanta atenção de maneira tão rápida como fez Francisco.

O Papa é perfeito como comunicador. Para ele, comunicar-se significa partilhar, criar relações"
Antonio Spadaro, jesuíta italiano
“O Papa é perfeito nesse sentido, como comunicador. O que é estranho, porque o Papa é uma pessoa que tem 76 anos, portanto aparentemente fora das dinâmicas da comunicação ordinária. Francisco é um homem da pastoral, que sempre esteve em meio às pessoas, sabe como se comunicar. Não como estratégia, ele não é um estrategista. Para ele, comunicar-se significa partilhar, criar relações, não transmitir uma mensagem de cima para baixo”, avalia Spadaro.
O grande desafio de Francisco será abrir caminhos e quebrar resistências em todos os níveis da Igreja Católica para conseguir implementar suas mudanças. Para um observador distante, os passos de Francisco podem ser lentos, mas para os padrões da Santa Sé, a velocidade dessas transformações em tão pouco tempo é algo sem precedentes nas últimas décadas. Mesmo assim, já é consenso dentro dos muros do Vaticano que muitas das mudanças sugeridas só devem ser adotadas nos futuros pontificados. Afinal, esse é o tempo da Igreja.

Fonte: globo news.com.br

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