Quando, na última quinta-feira, o índio
terena Gabriel Oziel morreu baleado em confronto numa ação de reintegração de
posse em Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, poucos minutos bastaram para que
uma batalha se organizasse em outro front.
Índios que presenciaram a morte logo
publicaram vídeos e fotos de Oziel no Facebook, acusando a Polícia Federal (PF)
pelo ocorrido.
O conteúdo da página Resistência do Povo
Terena se espalhou rapidamente por uma extensa rede virtual composta por índios
de outras etnias e apoiadores. Horas depois, quando o assunto já era divulgado
até no exterior, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público
dizer que a corregedoria da PF investigaria o caso.
A repercussão à morte de Oziel, ocorrida em
meio a uma escalada de conflitos que envolvem indígenas brasileiros, expõe como
muitos desses povos têm cada vez mais se valido de redes sociais para se
articular e divulgar suas bandeiras.
A postura, dizem os grupos, também visa
contestar visões preconceituosas ou imparciais sobre os índios propagadas por
veículos jornalísticos.
Quem representa os índios?
O advogado terena Luiz Henrique Eloy, de 24
anos, diz que jornais e TVs que cobrem conflitos agrários em Mato Grosso do Sul
costumam se posicionar contra os índios.
'Quando nos ouvem, colocam apenas a parte que
(lhes) interessa', ele afirma à BBC Brasil.
Eloy diz ainda que muitos jornalistas, em vez
de divulgar as opiniões dos índios sobre temas que lhes dizem respeito,
costumam tratar a Funai (Fundação Nacional do Índio, órgão subordinado ao
Ministério da Justiça), ONGs e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário, ligado
à Igreja Católica) como representantes legítimos dos indígenas.
Em alguns casos, afirma ele, os veículos vão
além e endossam posição frequentemente emitida por fazendeiros, políticos
ruralistas e alguns setores do governo: a de que essas organizações manipulam
os índios, incitando-os a invadir terras e a acirrar os conflitos.
'É o contrário: muitas vezes a Funai e o Cimi
são expulsos de nossas reuniões porque tentam impedir ações, desencorajar
retomadas de terras', diz à BBC Brasil o antropólogo guarani-kaiowá Tonico
Benites, de 41 anos.
'A iniciativa é sempre do povo, das
lideranças. Afinal, quem vai para a guerra, quem vai receber bala são eles'.
Redes e ensino
Benites, doutorando em antropologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eloy, recém-formado em direito
por uma faculdade privada de Campo Grande, integram um grupo cada vez maior de
índios sul-matogrossenses que têm chegado ao ensino superior e, com isso,
ampliado a ressonância das demandas de seus povos.
Segundo Eloy, há hoje cerca de 800 indígenas
em cursos de graduação, mestrado e doutorado em universidades de Mato Grosso do
Sul. 'Temos terena que são doutores em história e agronomia nas nossas
retomadas', exemplifica.
Ao entrar na universidade, afirma ele, boa
parte desses índios passa a ter acesso frequente à internet e a estender a
militância às redes sociais. De volta às aldeias ou a áreas em conflito, usam
celulares para postar na internet informações em tempo real. Foi o que ocorreu
quando Gabriel Oziel foi alvejado na fazenda Buriti, enquanto a polícia cumpria
uma ação de reintegração de posse.
A área, reivindicada pelo ex-deputado
estadual Ricardo Bacha (PSDB), foi declarada terra indígena terena em 2010. Em
2012, porém, o Tribunal Regional Federal (TRF) aceitou recurso de Bacha para
garantir seu domínio da área, possibilitando a ação policial. Na segunda-feira,
uma decisão judicial que dava 48 horas para os índios deixarem a área foi
suspensa.
Tonico Benites, que administra no Facebook a
página Aty Guasu - nome da tradicional assembleia guarani de Mato Grosso do Sul
-, diz que a militância virtual fez com que muitos brasileiros que não sabiam
dos conflitos agrários no Estado se posicionassem em favor dos indígenas.
A causa ganhou grande projeção no fim de
2012, quando índios guarani-kaiowá da tekoha (termo em guarani para terra de
ocupação tradicional) Pyelito Kue divulgaram um manifesto em que se diziam
dispostos a morrer caso tivessem de deixar o local. Milhares de usuários do
Facebook então se solidarizaram aos indígenas, adicionando guarani kaiowá a
seus nomes.
O manifesto revelou as precárias condições
enfrentadas por indígenas em Estados do centro e do Sul do país. Segundo a
Funai, embora metade dos índios brasileiros habite essas regiões, apenas 2% das
terras indígenas nacionais encontram-se nessas áreas - as 98% restantes estão
na Amazônia Legal.
Como a Terra Indígena Buriti, outros milhares
de hectares de terras no centro-sul do país estão, há décadas, em processo de
demarcação. Parte dos territórios estão à espera de homologação (última etapa
do rito burocrático); outros, paralisados por processos judiciais movidos por
fazendeiros.
Demarcações
Com forte influência sobre a bancada
ruralista no Congresso, a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) pressiona
pela suspensão de todas as demarcações no país. A suspensão, diz a organização,
deve durar até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue os embargos
declaratórios (pedidos de esclarecimento) sobre a decisão da corte referente à
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Na decisão, de 2009, o STF definiu uma série
de condições à demarcação, como a proibição de que reservas já homologadas
sejam ampliadas. Os ruralistas querem que as condições se estendam a todas as
outras demarcações, mas não há consenso entre os membros do STF quanto ao tema.
A matéria não tem prazo para ser analisada.
Presidente da CNA, a senadora Kátia Abreu
(DEM-TO) tem dito que as terras indígenas, que abrigam cerca de 600 mil índios
(menos de 1% da população brasileira), somam 12,6% do território nacional.
'Terra, portanto, não lhes falta', ela afirmou, em artigo recente.
Nas últimas semanas, o grupo obteve uma
vitória quando a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou que o
governo mudaria os procedimentos de demarcação, reduzindo os poderes da Funai.
Segundo Gleisi, a fundação, que hoje lidera o processo demarcatório,
conduzindo-o com base em estudos antropológicos, passará a dividir a atribuição
com os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário.
Num sinal da falta do prestígio da Funai no
governo Dilma, a presidente do órgão, Marta Azevedo, não foi convidada para uma
reunião que Dilma convocou na última semana para discutir problemas envolvendo
indígenas. O encontro contou até com o presidente da Embrapa, estatal de
pesquisa agropecuária.
Em outros Estados, indígenas também têm
intensificado protestos. Há duas semanas, índios gavião bloqueiam duas rodovias
no sudeste do Pará em manifestação contra os serviços de saúde na região. Nesta
segunda, índios kaingang ocuparam um escritório do PT em Curitiba e fecharam
estradas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
As ações respondem a um pedido da ministra da
Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para que o Ministério da Justiça paralise as
demarcações de terra em seu Estado natal, o Paraná, a cujo governo ela deverá
concorrer em 2014.
Belo Monte
Desde a semana passada, índios munduruku
ocupam o canteiro de Belo Monte e exigem dialogar com o Palácio do Planalto.
Habitantes de aldeias à margem do Tapajós, a cerca de 800 km da usina, eles
dizem que não foram consultados pelo governo federal sobre planos de construir
hidrelétricas naquele rio.
O movimento também tem forte atuação no
Facebook, por meio da página Campanha Munduruku.
Após tensa negociação, os índios tiveram seu
pleito atendido e viajarão a Brasília para uma reunião na quarta-feira. Não
será dessa vez, porém, que Dilma deverá recebê-los. O encontro foi agendado
pela Secretaria Geral da Presidência, que deverá ter como principal
representante o ministro-chefe da pasta, Gilberto Carvalho.
Desde que tomou posse, em 2011, a presidente
não se reuniu nenhuma vez com indígenas.
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Por: Folha do Progresso
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