quarta-feira, 5 de junho de 2013

Índios usam mídias sociais para fortalecer voz própria

Quando, na última quinta-feira, o índio terena Gabriel Oziel morreu baleado em confronto numa ação de reintegração de posse em Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, poucos minutos bastaram para que uma batalha se organizasse em outro front.


Índios que presenciaram a morte logo publicaram vídeos e fotos de Oziel no Facebook, acusando a Polícia Federal (PF) pelo ocorrido.


O conteúdo da página Resistência do Povo Terena se espalhou rapidamente por uma extensa rede virtual composta por índios de outras etnias e apoiadores. Horas depois, quando o assunto já era divulgado até no exterior, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público dizer que a corregedoria da PF investigaria o caso.


A repercussão à morte de Oziel, ocorrida em meio a uma escalada de conflitos que envolvem indígenas brasileiros, expõe como muitos desses povos têm cada vez mais se valido de redes sociais para se articular e divulgar suas bandeiras.


A postura, dizem os grupos, também visa contestar visões preconceituosas ou imparciais sobre os índios propagadas por veículos jornalísticos.

Quem representa os índios?

O advogado terena Luiz Henrique Eloy, de 24 anos, diz que jornais e TVs que cobrem conflitos agrários em Mato Grosso do Sul costumam se posicionar contra os índios.


'Quando nos ouvem, colocam apenas a parte que (lhes) interessa', ele afirma à BBC Brasil.


Eloy diz ainda que muitos jornalistas, em vez de divulgar as opiniões dos índios sobre temas que lhes dizem respeito, costumam tratar a Funai (Fundação Nacional do Índio, órgão subordinado ao Ministério da Justiça), ONGs e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica) como representantes legítimos dos indígenas.


Em alguns casos, afirma ele, os veículos vão além e endossam posição frequentemente emitida por fazendeiros, políticos ruralistas e alguns setores do governo: a de que essas organizações manipulam os índios, incitando-os a invadir terras e a acirrar os conflitos.


'É o contrário: muitas vezes a Funai e o Cimi são expulsos de nossas reuniões porque tentam impedir ações, desencorajar retomadas de terras', diz à BBC Brasil o antropólogo guarani-kaiowá Tonico Benites, de 41 anos.


'A iniciativa é sempre do povo, das lideranças. Afinal, quem vai para a guerra, quem vai receber bala são eles'.

Redes e ensino

Benites, doutorando em antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eloy, recém-formado em direito por uma faculdade privada de Campo Grande, integram um grupo cada vez maior de índios sul-matogrossenses que têm chegado ao ensino superior e, com isso, ampliado a ressonância das demandas de seus povos.


Segundo Eloy, há hoje cerca de 800 indígenas em cursos de graduação, mestrado e doutorado em universidades de Mato Grosso do Sul. 'Temos terena que são doutores em história e agronomia nas nossas retomadas', exemplifica.


Ao entrar na universidade, afirma ele, boa parte desses índios passa a ter acesso frequente à internet e a estender a militância às redes sociais. De volta às aldeias ou a áreas em conflito, usam celulares para postar na internet informações em tempo real. Foi o que ocorreu quando Gabriel Oziel foi alvejado na fazenda Buriti, enquanto a polícia cumpria uma ação de reintegração de posse.


A área, reivindicada pelo ex-deputado estadual Ricardo Bacha (PSDB), foi declarada terra indígena terena em 2010. Em 2012, porém, o Tribunal Regional Federal (TRF) aceitou recurso de Bacha para garantir seu domínio da área, possibilitando a ação policial. Na segunda-feira, uma decisão judicial que dava 48 horas para os índios deixarem a área foi suspensa.


Tonico Benites, que administra no Facebook a página Aty Guasu - nome da tradicional assembleia guarani de Mato Grosso do Sul -, diz que a militância virtual fez com que muitos brasileiros que não sabiam dos conflitos agrários no Estado se posicionassem em favor dos indígenas.


A causa ganhou grande projeção no fim de 2012, quando índios guarani-kaiowá da tekoha (termo em guarani para terra de ocupação tradicional) Pyelito Kue divulgaram um manifesto em que se diziam dispostos a morrer caso tivessem de deixar o local. Milhares de usuários do Facebook então se solidarizaram aos indígenas, adicionando guarani kaiowá a seus nomes.


O manifesto revelou as precárias condições enfrentadas por indígenas em Estados do centro e do Sul do país. Segundo a Funai, embora metade dos índios brasileiros habite essas regiões, apenas 2% das terras indígenas nacionais encontram-se nessas áreas - as 98% restantes estão na Amazônia Legal.


Como a Terra Indígena Buriti, outros milhares de hectares de terras no centro-sul do país estão, há décadas, em processo de demarcação. Parte dos territórios estão à espera de homologação (última etapa do rito burocrático); outros, paralisados por processos judiciais movidos por fazendeiros.

Demarcações

Com forte influência sobre a bancada ruralista no Congresso, a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) pressiona pela suspensão de todas as demarcações no país. A suspensão, diz a organização, deve durar até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue os embargos declaratórios (pedidos de esclarecimento) sobre a decisão da corte referente à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.


Na decisão, de 2009, o STF definiu uma série de condições à demarcação, como a proibição de que reservas já homologadas sejam ampliadas. Os ruralistas querem que as condições se estendam a todas as outras demarcações, mas não há consenso entre os membros do STF quanto ao tema. A matéria não tem prazo para ser analisada.


Presidente da CNA, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) tem dito que as terras indígenas, que abrigam cerca de 600 mil índios (menos de 1% da população brasileira), somam 12,6% do território nacional. 'Terra, portanto, não lhes falta', ela afirmou, em artigo recente.


Nas últimas semanas, o grupo obteve uma vitória quando a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou que o governo mudaria os procedimentos de demarcação, reduzindo os poderes da Funai. Segundo Gleisi, a fundação, que hoje lidera o processo demarcatório, conduzindo-o com base em estudos antropológicos, passará a dividir a atribuição com os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário.


Num sinal da falta do prestígio da Funai no governo Dilma, a presidente do órgão, Marta Azevedo, não foi convidada para uma reunião que Dilma convocou na última semana para discutir problemas envolvendo indígenas. O encontro contou até com o presidente da Embrapa, estatal de pesquisa agropecuária.


Em outros Estados, indígenas também têm intensificado protestos. Há duas semanas, índios gavião bloqueiam duas rodovias no sudeste do Pará em manifestação contra os serviços de saúde na região. Nesta segunda, índios kaingang ocuparam um escritório do PT em Curitiba e fecharam estradas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.


As ações respondem a um pedido da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para que o Ministério da Justiça paralise as demarcações de terra em seu Estado natal, o Paraná, a cujo governo ela deverá concorrer em 2014.

Belo Monte

Desde a semana passada, índios munduruku ocupam o canteiro de Belo Monte e exigem dialogar com o Palácio do Planalto. Habitantes de aldeias à margem do Tapajós, a cerca de 800 km da usina, eles dizem que não foram consultados pelo governo federal sobre planos de construir hidrelétricas naquele rio.


O movimento também tem forte atuação no Facebook, por meio da página Campanha Munduruku.


Após tensa negociação, os índios tiveram seu pleito atendido e viajarão a Brasília para uma reunião na quarta-feira. Não será dessa vez, porém, que Dilma deverá recebê-los. O encontro foi agendado pela Secretaria Geral da Presidência, que deverá ter como principal representante o ministro-chefe da pasta, Gilberto Carvalho.


Desde que tomou posse, em 2011, a presidente não se reuniu nenhuma vez com indígenas.


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Por: Folha do Progresso

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