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Pesa contra a Igreja a acusação de ter
condenado o físico italiano Galileu Galilei de maneira injusta. É importante, antes de tudo, esclarecer os
fatos dentro do contexto da época, pois sem isso a interpretação histórica fica
totalmente deformada.
Durante cerca de quatro séculos, por causa de
uma divulgação distorcida e mal
intencionada, anti-Igreja Católica, muitas pessoas, especialmente estudantes,
pensam que Galileu foi um “mártir” da ciência e que a Igreja foi o carrasco
e inimiga do progresso humano e da
ciência. O caso Galileu ficou como se fosse o símbolo da rejeição, por parte da
Igreja, do progresso científico, ou então do obscurantismo dogmático oposto à
ciência. Este mito teve um efeito cultural
imenso e fez com que muitos cientistas de boa fé aceitassem a idéia errada de
que havia incompatibilidade entre a ciência e a fé cristã.
Por isso, vamos examinar aqui este caso:
Na verdade, o processo de Galileu nem se
tratou de um conflito entre ciência e religião, mas foi uma crise interna na
Igreja.
Um Simpósio realizado na Universidade
Católica de Washington, em 1982, a respeito do caso de Galileu, relatado pelo o
repórter Philip J. Hills no jornal Washington Post em artigo transcrito pelo
“Latin america Daily Post” de 5/10/1982, nos ajuda a entender melhor a opinião
dos cientistas sobre o caso Galileu. O Simpósio foi denominado “Reinterpretando
Galileu”. Entre outros astrônomos participarm do Simpósio Oven Gingerich,
astrônomo de Harvard, o Padre William Wallace, dominicano da Universidade
Católica e o polonês Joseph Zycinski.
Os intelectuais aí reunidos, revendo o famoso
caso Galileu, do século XVII, destacaram o fato de que a tese heliocêntrica de
Galileu não podia apresentar em seu favor razões convincentes na época; Galileu
julgava que o fluxo das marés seria a prova da revolução da Terra em torno do
Sol, quando na verdade se sabe que as marés se devem à força da gravidade da
Lua. Sem argumentos sólidos a tese de Galileu só podia parecia errônea aos
teólogos do século XVII, para quem o geocentrismo tinha não somente base
científica, mas também autoridade incutida pelas páginas bíblicas (cf. Js
10,12s). É preciso, então, entender a
atitude da repulsa a Galileu na época a partir das circunstâncias da época, e não em função de dados que só mais
tarde foram definitivamente reconhecidos.
Os intelectuais fizeram várias afirmações
contrárias à crença popular, entre elas:
1 – “Galileu não foi acusado nem condenado
por heresia. Galileu não foi torturado,
nem lhe foram mostrados os instrumentos de tortura.
2 – O ponto de debate no processo não foi
estritamente de ignorância religiosa versus verdade científica: a verdade
científica em si mesmo, naquela época, era obscura e equívoca.
3 – E, depois de Galileu concordar em dizer
que não acreditava na terra em movimento e no sol parado, provavelmente não
pronunciou, como diz a lenda, as provocadoras palavras: “E, contudo, ela se
move!”
4 – “De fato (disse Gingerich), seria difícil
para a Igreja achar Galileu inocente.
Ele foi apenas acusado de desobedecer a uma ordem da Igreja, e está fora
de dúvida que realmente desobedeceu”.
“Não havia simplesmente prova de que o modelo
heliocêntrico de Galileu e de Copérnico fosse melhor do que o modelo popular geocêntrico
demonstrado por Tycho Brahe. E o sistema
da Brahe tinha a vantagem de não se opor à Escritura nem à doutrina da Igreja.
Assim, pelos conhecimentos da época (disseram
os intelectuais no Simpósio), houve justificativa para o processo, porque
descobriram que Galileu desobedeceu às ordens da Igreja, e por acreditarem que
Galileu não dispunha de elementos claros para demonstrar que o sol era o centro
do universo. Disse ao astrônomo Wallace
que Galileu acreditava muito bem que obteria finalmente provas cabais do
sistema heliocêntrico. Mas na época do processo, quando contava cerca de cinquenta
anos, Galileu sabia que não tinha argumentos para provar o seu ponto de vista.
Pretendia, portanto, abalar um grande
edifício de ciência e fé, que durava vinte séculos (desde Ptolomeu!), sem ter
razões convincentes. Com efeito, diz o articulista, Galileu tencionava provar
sua tese a partir do fenômeno das marés: estas seriam devidas ao giro da Terra
e às revoluções do nosso planeta em torno do Sol. Ora sabe-se que as marés não são causadas
pelo movimento da Terra, mas pela força da gravidade da Lua. Os outros
argumentos do cientista eram insuficientes para provar o heliocentrismo.
Para sermos justos temos que procurar
entender os homens do século XVII a partir das premissas e dos referenciais que
para eles eram válidos, e não a partir dos parâmetros que consideramos válidos
hoje.
Galileu parecia especialmente inoportuno aos
teólogos do século XVII, pelo fato de que não se limitava a afirmar proposições
de astronomia, mas introduzia-se no setor da exegese bíblica, tentando assim
convencer os teólogos.
A oposição dos teólogos e do Sumo Pontífice à
tese de Galileu não compromete a infalibilidade do magistério da Igreja, que se
refere apenas aos temas de fé e de Moral.
Em 03/07/1981, o Papa João Paulo II nomeou
uma Comissão de teólogos, cientistas e historiadores, a fim de aprofundarem o
exame do caso Galileu. Esta Comissão
estudou o assunto e, após onze anos de trabalho, apresentou seus resultados ao
Papa. Este então, perante a Pontifícia
Academia de Ciências do Vaticano, proferiu um discurso, aos 31/10/1992, 350.º
aniversário da morte de Galileu, em que reconhecia o erro dos teólogos
contemporâneos a Galileu por parte do Santo Ofício em 1633.
Mas ao mesmo tempo o Papa chamou a atenção
para a dificuldade que os homens do século XVII deviam experimentar, para
aceitar a tão revolucionária teoria de Galileu; era preciso que, de um lado, se
fixassem novos critérios de hermenêutica bíblica e, de outro lado, a proposição
heliocêntrica se corroborasse com argumentos ainda mais sólidos do que os que
Galileu podia apresentar.
Entre outras coisas disse o Papa em seu
discurso [L`Osservatore Romano]:
“Galileu rejeitou a sugestão de apresentar o
sistema de Copérnico como uma hipótese, até ser confirmado por provas
irrefutáveis. Tratava-se de uma exigência do método experimental, do qual ele
foi o iniciador genial.”
“O problema que os teólogos da época se
puseram era o da compatibilidade do heliocentrismo e da Escritura. A ciência
nova, com os seus métodos e a liberdade de investigação que eles supõem,
obrigava os teólogos a interrogarem-se sobre os seus próprios critérios de
interpretação da Escritura. A maioria não o soube fazer. Paradoxalmente,
Galileu, fiel sincero, mostrou-se sobre este ponto mais perspicaz do que os
seus adversários teólogos. Se a Escritura não pode errar, escreve ele a
Benedetto Castelli (em 1613), alguns dos seus intérpretes e comentaristas o
podem e de muitas maneiras. Também é conhecida a sua carta à Cristina de Lorena
(em 1615), que é como que um pequeno tratado de hermenêutica bíblica.”
“A maioria dos teólogos não percebia a distinção
formal entre a Escritura Sagrada e a sua interpretação, o que os levou a
transpor indevidamente para o campo da doutrina da fé uma questão, de fato
relevante, da investigação científica.”
“Recordemos a frase célebre atribuída a
Baronio: O Espírito Santo quer nos dizer como se vai para o céu; não como vai o
céu.”
“Belarmino, que tinha percebido o que estava
realmente em jogo no debate, considerava que, diante de eventuais provas
científicas do movimento orbital da Terra ao redor do Sol, devíamos interpretar,
com uma grande circunspecção, toda a passagem da Bíblia que parece afirmar que
a Terra é imóvel, e “dizer que não o compreendemos, antes de afirmar que é
falso o que se demonstra” (Carta ao Pe. A. Foscarini, 12/04/1615)”.
O Papa João Paulo II recordou um fato
histórico importante: Galileu já tinha sido reabilitado por Bento XIV em 1741,
com a concessão do “Imprimatur” à primeira edição das obras completas de
Galileu. Em 1757, as obras científicas favoráveis à teoria heliocêntrica foram
retiradas do “Index” de livros proibidos. Em 1822, Pio VII(1800-1823)
determinou que o “Imprimatur” podia ser dado também aos estudos que
apresentavam a teoria copernicana como tese.
Hoje já não há mais dificuldade de se
conciliar a fé com a ciência, pois os estudiosos tomaram consciência de que a
Bíblia não pretende ensinar ciências naturais, mas se refere aos fenômenos da
natureza usando uma linguagem familiar pré-científica, suficiente para exprimir
a mensagem religiosa que a Escritura Sagrada quer ensinar. Naquele tempo não
havia essa clareza sobre as Sagradas Escrituras.
Em 1741, diante da prova ótica da revolução
da Terra em torno do Sol, Bento XIV (1740-1758) se empenhou para que o Santo
Ofício desse o Imprimatur à primeira edição das obras completas de Galileu. Foi
preciso, no entanto, que passassem mais de 150 anos para se encontrarem as provas óticas e
mecânicas da mobilidade da Terra.
Somente em 1851, é que Foucault conseguiu provar o movimento de rotação
da Terra, com um pêndulo dependurado do teto do Panteon de Paris, que oscila em
um plano fixo enquanto a Terra gira. Isto mostra como era difícil a teoria de
Galileu ser aceita na época.
Muitos erros e mentiras são propagados sobre
o Caso Galileu: alguns dizem erroneamente que ele foi condenado na Idade Média.
Ora, a Idade Média vai até meados do século XV, com a queda de Constantinopla
nas mãos dos otomanos (1476), e Galileu só nasceu em 1564, um século após o término da Idade Média.
Dizem que ele foi condenado por dizer
que a Terra era redonda. Mas já na antiga Grécia isto era admitido por
Pitágoras (século VI a.C.) e seus discípulos falavam da esfericidade da Terra,
da Lua e do Sol, bem como da rotação da Terra. A expedição de circunavegação da
Terra feita por Fernão de Magalhães, em 1521, foi prova da esfericidade da
Terra.
Outros, enganados, dizem que Galileu foi o
autor da teoria heliocêntrica (Sol no centro do Sistema Solar). Esta teoria
começou com Aristarco de Samos, no século III a.C., cerca de 1.900 anos antes
de Galileu. Outros dizem que Galileu foi condenado porque defendia o sistema
heliocêntrico. Na verdade ele foi condenado por causa do “modo” como o defendia
e não pelo que defendia.
O Renascimento do século XVI foi afirmando os
valores do homem em termos mais autônomos. No início do século XVII, certa
mentalidade leiga, mesmo atéia, começava a inquietar os homens da época. A
ciência havia progredido bastante no século XVI; já se apoiava em observações
precisas, com métodos novos, deixando de lado as suposições não reais, como
eram as conclusões baseadas na Filosofia e na Física medievais quando não se
tinha aparelhos de medidas.
Afinal, a Idade Média tinha-lhes deixado a
imprensa; Colombo descobriu um novo mundo, Galileu novas estrelas, o uso dos
canhões, da bússola, dos moinhos, das armas de fogo, etc. A humanidade saída da
Idade Média começava, então, a se julgar adulta e deixar a “dependência de
Deus”. Muitos se entusiasmavam com a ciência de forma quase absoluta como os
céticos representados por Michel de Montaigne (1533-1592), que atacavam as
tradicionais concepções cristãs. Montaigne peregrinava pelos grandes santuários
da Europa, mas, como dizia um seu contemporãneo, o Pe. Garasse S.J., “sufocava
suavemente, como que com um cordel de seda, o senso religioso”, mediante as
suas proposições ambíguas.
É claro que essa nova realidade começou a
preocupar as autoridades da Igreja, acostumadas ao mundo da “Cristandade”; e
nos casos de flagrante impiedade e ateísmo, reagiam fortemente, desconfiando da
nova ciência, movidas pelo desejo de preservar a verdade e os valores da fé e
da cultura. Daí o questionamento que a
Igreja fez a Montaigne e a outros pensadores da época.
Na verdade, esta época foi um período de
transição e de incertezas onde os valores novos se misturavam com os
tradicionais, havendo conflitos até se chegar a uma síntese saudável.
Foi neste ambiente de certa reação contra a
fé, reação encabeçada por uma ciência aparente, que viveu Galileu Galilei
(1564-1642).
Com a invenção do telescópio, Galileu fez
muitas descobertas, como as manchas do Sol, as crateras da Lua, a Via Láctea
ser constituída por um grande número de estrelas; Júpiter possui Luas (Galileu
descobriu quatro), o que demonstrava que a Terra não era o centro de tudo;
Vênus tem fases como a Lua, e outras que lhe mostravam a certeza do Sol no
centro do Sistema Solar, confirmando a tese de Copérnico.
Galileu publicou estas descobertas em 1610 e
isto lhe deu muita popularidade. Entre os que o admiravam estavam o astrônomo
protestante Kepler e o famoso matemático jesuíta Clavius.
No século XV, por não conseguir explicar uma
série de fenômenos, a teoria geocêntrica (Terra no centro) foi abandonada,
retomando-se a teoria heliocêntrica pelo Padre Nicolau Copérnico, nascido na
Polônia, em 14/02/1493, e falecido em Frauenburg, Polônia, em 24/05/1543.
Padre Copérnico estudou astronomia e
matemática na Universidade Católica de Cracóvia e, por três anos, Direito
Canônico em Bolonha, Itália. Estudou também nas Universidades de Roma, Pádua e
Ferrara. Em 1501 tornou-se cônego da Catedral de Frauenburg, cidade onde fez
suas observações astronômicas. Apresentou o sistema heliocêntrico de Aristarco,
com modificações, em dois trabalhos: “Comentários sobre as Hipóteses da
Constituição do Movimento Celeste”, em 1530; e “Sobre a Revolução dos Corpos
Celestes”, em 1543.
Prof. Felipe Aquino
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