terça-feira, 15 de junho de 2010

Helenilson Cunha Pontes - Doutor, Livre-Docente pela USP e advogado tributarista

LEI KANDIR

A desoneração do ICMS na exportação e a contrapartida devida aos Estados exportadores talvez seja o mais espinhoso tema que uma eventual reforma tributária terá que resolver. Ao contrário do que muitos pensam, o grande problema dos Estados exportadores não reside na Lei Kandir, mas na própria Constituição Federal.

O texto originário da Constituição Federal de 1988 determinou que o ICMS não deveria incidir sobre operações que destinassem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semielaborados definidos em lei complementar. Vale dizer, para o constituinte originário, somente estariam ao abrigo da desoneração tributária as exportações de produtos inegavelmente classificados como industrializados.

Por óbvio, que a imunidade constitucional, nos termos estreitos em que originariamente concebida, deixava uma grande variedade de produtos exportados (notadamente comodities agrícolas e minerais) ainda sujeitos à incidência do ICMS, o que implicava perda de competitividade das exportações brasileiras.

A ampliação da imunidade poderia ser obtida de duas formas: através de emenda constitucional alterando a regra que limitava o benefício fiscal apenas aos produtos industrializados ou mediante a edição de uma lei complementar, veículo normativo adequado para definir normas gerais em matéria de ICMS. Optou-se pelo caminho mais fácil politicamente, qual seja, a edição da lei complementar, posteriormente alcunhada de Lei Kandir, sobrenome do Deputado paulista que conduziu os debates sobre o tema no Congresso Nacional.

Ocorre que o receio de uma alteração na Lei Kandir, que pudesse limitar novamente o alcance da imunidade das exportações, haja vista a perda de receita sofrida pelos Estados exportadores, levou o Congresso Nacional a alterar a Constituição (Emenda Constitucional 42, de 19/12/2003), passando a prever a não incidência do ICMS sobre operações que destinem mercadorias e serviços ao exterior e garantindo ainda a manutenção e o aproveitamento do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores. Em outras palavras, a desoneração das exportações não é mais, na atualidade, produto e obra da Lei Kandir, mas da própria Constituição Federal.

Do ponto de vista dos Estados exportadores, o atual regime desonerativo gera um prejuízo duplo. O Estado de domicílio do exportador não aufere o ICMS que incide sobre as mercadorias e serviços destinados ao exterior e ainda tem o dever de devolver o ICMS cobrado nas operações anteriores, que, muitas vezes, foi recolhido a outro Estado. O Estado exportador além de não ter o ICMS sobre as exportações, ainda deve ressarcir a empresa exportadora do ICMS embutido nas matérias-primas por ela adquiridas para emprego no produto exportado. Como diz o ditado popular, além da queda, o coice.

O atual regime desonerativo é favorável ao incremento das exportações, à balança comercial, ao equilíbrio macroeconômico do país, ao setor exportador, mas destroi as finanças dos Estados exportadores, haja vista a insuficiente compensação que a União garante a estes Estados.

Cabe à lei complementar um novo equacionamento para esta questão. Pode-se trilhar o caminho de uma nova fórmula de compensação aos Estados, mais justa e automática, ou uma limitação do alcance da regra desonerativa, diminuindo o prejuízo dos Estados.

Os Estados exportadores que hoje não devolvem os créditos acumulados pelas empresas exportadoras, porque não se sentem compensados pela União, poderiam, por exemplo, assumir o compromisso efetivo e real de devolver pelo menos (e somente) os créditos decorrentes dos insumos adquiridos dentro do próprio Estado.

Esta medida, em contrapartida, induziria as empresas exportadoras a atrair os seus fornecedores para o Estado exportador, o que teria o efeito de incrementar a economia destes Estados, e terminaria com a injustiça de os Estados exportadores serem obrigados a ressarcir um imposto que foi recolhido aos cofres de outro Estado. Do ponto de vista do contribuinte exportador, que hoje não recebe os seus créditos acumulados, pelo menos seria uma garantia de redução do prejuízo que hoje assumem com o calote que recebem dos Estados exportadores.

A desoneração tributária das exportações é um tema fundamental para o equilíbrio federativo e para o desenvolvimento do país. O cenário atual é o pior possível: a União finge que compensa adequadamente os Estados e estes, com as finanças abaladas, fingem que devolvem os créditos ao exportador e desoneram as exportações.

Fonte: O Impacto

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