quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A poluição tecnobrega

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal

Já houve criação humana mais horrorosa em matéria de música do que o tecnobrega? Eu não conheço. A rigor, esse gênero nem pode ser enquadrado na condição de música. Não tem harmonia nem melodia. O ritmo é tão pobre quanto o de um bate-estaca. Uma voz esganiçada geme como se tivesse dado uma topada. Uma voz eletrônica interrompe o – digamos assim – cantante para anunciar qualquer coisa. Ao fundo, um ruído eletrônico remete o ouvinte à cacofonia do inferno. Quem submete seu ouvido a essa monocórdia repetição de um cantochão primal jamais virá a saber o que é música.
Servir de cenário para o surgimento dessa monstruosidade antimusical não consagra de vez o Pará como a terra do barulho e Belém como a sua lídima capital? De fato, o paraense tem uma propensão natural para ouvir música, cantar e dançar. A vertente verdadeiramente musical dessa tradição fecundou compositores, músicos e cantores em atividade como Nilson Chaves, Vital Lima, Alcyr Guimarães, Sebastião Tapajós, Nego Nelson, Fafá de Belém, Leila Pinheiro, Jane Duboc, Andréa Pinheiro e muitos outros.
Mas outra vertente foi progressivamente empobrecendo uma matriz que já era limitada. A música paraense de raiz é monótona, repetitiva, dominada pela marcação do ritmo, que cada vez mais sufoca as outras partes (mais relevantes) da composição. Ouve-se com deleite três números de carimbó. A partir daí, a exaustão vem rápido. Um disco inteiro de carimbó demarca na audição a exigência de quem ouve. Uma festa só de brega é passaporte para o rebaixamento do gosto. Uma única música de tecnnobrega é tortura auditiva. Com o som estourando o registro dos decibéis, é poluição humana certa.
A cidade é tomada todos os dias e inundada nos fins de semana por essa agressão de barulho, que também dá sua contribuição à violência geral. Contando, para a consumação do crime, com o disfarce da cultura popular. A tolerância geral para esse tipo de maneirismo não minimiza a gravidade da agressão. Só a torna menos perceptível. E, justamente por isso, mais letal. Corrói aos poucos, aniquila a sensibilidade, deforma o gosto.

fONTE: O ESTADO DO TAPAJOS

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