Criticado após condenar Lúcio Flávio Pinto por utilizar o
termo “pirata fundiário” para denunciar tentativa de grilagem de 4,7 milhões de
hectares de terras, juiz Amilcar Guimarães passou a fazer ofensas pessoais ao
jornalista pela internet
Frente às críticas que vem sofrendo no Pará e em todo o país
pela maneira como condenou o jornalista Lúcio Flávio Pinto a pagar indenização
por danos morais ao latifundiário Cecílio do Rego Almeida, o juiz Amilcar
Guimarães, titular da 1ª Vara Cível de Belém, passou a fazer ataques pessoais
públicos pela internet. Em sua página na
rede social Facebook, o magistrado tem ofendido repetidamente o réu que julgou. Em uma das mensagens que escreveu, o juiz o
chamou de “pateta”, “canalha” e lembrou que, em ocasião anterior, ele recebeu
“bons e merecidos sopapos no meio da fuça”.
Nesta quinta-feira, 8 de março, voltou à carga chamando de “carpideira”
quem se ofendeu com seus posts das últimas semanas. Procurado pela Repórter Brasil, Lúcio Flávio
descartou entrar com uma ação por danos morais contra o magistrado por não
acreditar na isenção dos tribunais do Estado.
Ele defende que a condenação que sofreu foi política e diz que não tem
esperança de obter qualquer sentença favorável na Justiça local, qualquer que
seja o contexto.
Manifestantes exibem faixa em frente à sede do Tribunal de
Justiça do Pará. Foto: Patrick Pardini
O jornalista foi condenado pelo juiz Amilcar em 22 de junho
de 2005 a
pagar R$ 8 mil como indenização por danos morais por ter chamado o fundador da
empreiteira C.R. Almeida, Cecílio do Rego Almeida, de “pirata fundiário”. O
repórter utilizou o termo para denunciar a tentativa de grilagem de cerca de
4,7 milhões de hectares de terras públicas no Pará, uma área maior do que
países como Dinamarca, Holanda e Bélgica, e do que estados como Rio de Janeiro
e Espírito Santo. O alerta feito pelo jornalista de que o empresário estaria
utilizando documentos falsos para tentar se apropriar de terras do Estado do
Pará e da União, incluindo parte de territórios indígenas, revelou-se correto.
Em novembro de 2011, a
Justiça Federal cancelou o registro do que, na decisão, o juiz da 9ª Vara
Federal em Altamira (PA), Hugo da Gama Filho, classificou como “o maior
latifúndio do Brasil”. Cecílio faleceu em 2008 e são seus filhos que devem se
beneficiar da indenização.
Em sua defesa, Lúcio Flávio apontou irregularidades graves
na maneira como o processo contra ele foi conduzido. O juiz Amilcar teve a
oportunidade de julgar o caso ao assumir interinamente a 4ª Vara por apenas
três dias – que, na prática, viraram dois dias por ele ter sido nomeado com
atraso devido à publicação incorreta da portaria que oficializou a substituição
provisória. Nestes dois dias em que esteve no cargo, Amilcar solicitou o
processo específico que corria contra o jornalista, um documento de mais de 400
páginas, e decidiu rapidamente pela condenação. “Ele pediu só um processo, o
meu. E era um processo que não poderia ser julgado porque estava sob efeito
suspensivo”, diz Lúcio Flávio. “Além disso, apesar de ter datado a sentença
como tendo sido promulgada na sexta-feira, ele só efetivamente devolveu o documento
apenas na terça-feira. Tenho certidões do cartório e do departamento de
informática do Tribunal de Justiça do Pará documentando isso”.
Amilcar confirma que pediu especificamente o processo que
corria contra Lúcio Flávio. “Pedi porque tinha interesse pessoal em tratar da
questão da liberdade de imprensa. Eu queria expor uma tese sobre o limite da
liberdade de imprensa”, afirma o magistrado. “Minha revolta é por ele achar que
os motivos foram outros, que agi assim porque o Rego Almeida é um milionário e
ele um jornalista batalhador. Eu não tinha outros interesses, apenas escrever
sobre isso. É preciso um limite. As pessoas têm direito à crítica, ele mesmo
pode me criticar, criticar meu trabalho, minhas decisões, mas não pode ofender.
Essa responsabilidade de estabelecer o limite não deveria ser do judiciário,
mas da sociedade. Quem deveria regulamentar isso deveria ser o Congresso
Nacional”, afirma.
Ofensa pessoal
Ofensa pessoal Questionado sobre o fato de, ao atacar o
jornalista no Facebook, estar incorrendo no mesmo crime pelo qual condenou
Lúcio Flávio, o magistrado admite que errou. “Ele vem me chamando de corrupto,
achei que deveria me defender. Sei que um erro não justifica o outro, mas perto
das insinuações que sofri por parte dele, chamá-lo de pateta é quase como
chamá-lo de Madre Teresa de Calcutá. Somos duas pessoas extremamente grosseiras
e mal educadas. Eu reagi mal e reconheço que não é certo”, afirma o juiz, que
diz, no entanto, que não se arrepende do que escreveu. Ele descarta a
possibilidade de sofrer uma ação por parte do jornalista. “Ele não ousaria. Ele
já me ofendeu muito mais”.
Lúcio Flávio nega que tenha chamado ou insinuado que Amilcar
recebeu dinheiro para condená-lo, e também diz que jamais fez qualquer menção à
corrupção, como afirmou o magistrado. Ele insiste, isso sim, que a maneira como
o processo foi conduzido foi irregular. “Fiz uma representação contra essa
fraude que ele praticou. A representação foi aceita pela corregedora, que votou
pelo procedimento administrativo e disciplinar. Nenhum juiz substituto que vai
ficar por três dias sentencia no último dia um processo de 400 páginas que
deveria estar suspenso. Eu disse que ele foi venal, que fraudou a setença. E
isso está documentado”, afirma Lúcio Flávio.
O jornalista diz que desistiu de recorrer da sentença a que
foi condenado por não ver mais legitimidade no Tribunal de Justiça do Pará. Em
vez de tentar novos recursos, ele aceitou a decisão e fez uma campanha para
arrecadar os R$ 8 mil que teria que destinar a família do magnata falecido. “Já
tem dinheiro suficiente para pagar. No dia que for, vou levar todo mundo que
ajudou”, afirma. Entre os motivos que levaram Lúcio Flávio a desistir de
recorrer da condeção está o fato de que, como jornalista, já fez denúncias
envolvendo magistrados de desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará. “Esse
juiz é apenas a ponta de um tumor. Tenho denunciado todas as sujeiras e o
Tribunal não quer que o Jornal Pessoal continue a circular, porque o jornal
denuncia mesmo. As denuncias são sérissimas”, reitera.
“Espero que a opinião publica nacional perceba que pela
primeira vez um juiz personificou quase todos os males do sistema judiciário.
Ele representa a Justiça mas declara publicamente que não confia na justiça,
ele acha que as diferenças podem ser resolvidas na violência, acha que a pena
máxima para um juiz é a aposentadoria, ele desrespeita a parte que julgou, ele
não consegue separar seu interesse pessoal do público, ele não respeita o
exercício do seu ofício”, afirma, referindo-se às manifestações do juiz no
Facebook. Além de ter dito que os “sopapos” recebidos por Lúcio Flávio foram
merecidos, Amílcar chegou a dizer que espera que o jornalista faça uma
representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para poder ganhar a
aposentadoria compulsória.
De acordo com CNJ, se condenado em um processo
administrativo disciplinar, a punição máxima a que Amílcar poderia ser
submetido seria a aposentadoria, garantida sem nenhum desconto de rendimentos.
Decoro, ética e redes sociais
O juiz Amilcar tem utilizado o Facebook não apenas para
criticar o jornalista, mas também para escrever mensagens pessoais e
brincadeiras. Entre um ataque e outro, escreveu, por exemplo, “?quando sua
mulher fica grávida, todos alisam a barriga dela e dizem parabéns. Mas ninguém
apalpa seu saco e diz bom trabalho”. Ele utiliza o espaço para se comunicar com
amigos e publicar fotos. “Gostaria de deixar claro que aquele espaço é onde um
homem se expressa. Não é o juiz. Não sou juiz, juiz é o Estado do Pará. Sou só
um funcionário que é pago para exercer essa função. Sou só um homem com
vicissitudes, fraquezas morais também”, ressalta Amilcar. “Aquele espaço é da
minha irreverência, eu faço piadas, bullying, é uma coisa minha. E foi o espaço
que encontrei para responder a uma agressão”, completa.
O Código de Ética da Magistratura, de 2008, prevê que “ao
magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis
do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos
valores democráticos”. O texto diz ainda que o magistrado “deve manter atitude
aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês
e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas
nos processos em que atua” e “deve comportar-se na vida privada de modo a
dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional
impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em
geral”.
Para o Juiz de Direito José Henrique Rodrigues Torres, presidente
do Conselho Executivo da Associação Juízes para Democracia (AJD), Amilcar tem
todo o direito de se manifestar publicamente, seja para criticar o próprio
sistema judiciário, seja para se defender das críticas que vem recebendo. “A
questão é que neste caso existe uma linha muito delicada entre liberdade de
expressão e excesso. Se houve um ataque de ordem pessoal, cabe ao ofendido
reagir quanto a isso. As manifestações dos juízes têm que ser respeitadas, a
liberdade de expressão fica acima de tudo, mas neste caso, há trechos que
atingem a honra, como o que utiliza a palavra canalha”, diz José Henrique.
“É preciso tomar muito cuidado ao se debater o controle do
comportamento ético dos juízes para que não se atinja a liberdade de expressão.
As decisões judiciais devem ser respeitadas e aceitas democraticamente, mas
isso não significa que nós cidadãos ou juízes tenhamos que ficar resignados
perante decisões que contrariam nossos princípios. É preciso respeitar a
liberdade de expressão e de pensamento”, explica, para ressaltar.
“Se há excessos pessoais de ofensa, estamos no campo do
excesso, e aí não é um direito. Tenho a liberdade de exercer minha expressão de
pensamento, mas não posso ofender. Um magistrado, como qualquer outro cidadão,
deve manter e guardar os limites de respeito aos direitos dos outros. Qualquer
um que vá se colocar em uma rede pública deve ter o cuidado de não invadir a
esfera dos direitos dos outros”.
Por Daniel Santini
Fonte: Repórter Brasil
Tags: Lúcio Flávio Pinto
Nenhum comentário:
Postar um comentário