AUDIÊNCIA
DISCUTE RESOLUÇÃO DA OAB PAULISTA QUE IMPEDE
ADVOGADOS DE PRESTAR ASSISTÊNCIA
JURÍDICA GRATUITA
São Paulo – O Ministério Público Federal
(MPF) promoveu na tarde desta sexta (22), em São Paulo, uma audiência pública
para discutir uma resolução da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São
Paulo (OAB-SP), de agosto de 2002, que proíbe advogados de prestar assistência
jurídica e judiciária gratuita (advocacia pro bono) a pessoas físicas.
Estudantes, entidades, órgãos públicos, advogados, ministros e professores
participaram da audiência pública, mas a OAB-SP não mandou nenhum
representante.
Segundo Jefferson Aparecido Dias, procurador
regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, o tema começou a ser discutido principalmente
a partir de 2012, após um advogado ter apresentado uma representação contra a
OAB-SP por ter sido punido pela entidade ao fazer advocacia pro bono.
“Temos um procedimento administrativo que foi
instaurado no começo de 2012 em que um advogado questiona essa restrição à
advocacia pro bono. A partir daquela data foi instaurado um inquérito e
buscamos informações na OAB e, infelizmente, a posição que recebemos não foi
das melhores, sendo ela contrária à advocacia pro bono. Optamos então em fazer
uma audiência pública para colher elementos para avançar no debate”, disse o
procurador.
A intenção de se fazer uma audiência pública,
disse o procurador da República, é tentar analisar se há alguma ilegalidade na
resolução da OAB-SP. “Essa é a discussão, já que é um ato exclusivo de São
Paulo que, no nosso entendimento, não tem fundamento na lei. Mas neste momento
estamos em negociação com a OAB-SP, buscando a revogação da resolução ou, se
for para regulá-la, não restringindo [a atuação dos advogados pro bono]. Se a
lei não restringe, entendemos que a resolução não pode restringir”, disse Dias.
Tanto o procurador quanto o diretor do
Instituto Pro Bono, Marcos Fuchs, acreditam que um diálogo com a OAB-SP, que
deve ocorrer nos próximos dias, pode resolver a questão. Caso a OAB-SP mantenha
a resolução, o procurador diz que o MPF pode vir a propor uma ação civil
pública ou uma ação direta de inconstitucionalidade para questionar a medida.
A norma estabelecida pela OAB-SP, explicou o
diretor do Instituto Pro Bono, prevê que a advocacia pro bonosó pode ser
exercida por advogados para entidades do terceiro setor, o que exclui as
pessoas físicas. O Instituto Pro Bono, organização sem fins lucrativos criada
em 2001, é contrário à resolução da OAB paulista e defende a advocacia pro bono
também para pessoas físicas. “Vivemos num país miserável, onde não existe
assistência judiciária suficiente, sem Defensoria Pública suficiente e se
precisa de advogados pro bono e voluntários para atender a essa demanda”, disse
Fuchs. Continue lendo...
O Artigo 3º da resolução, que foi assinada em
19 de agosto de 2012 pelo então presidente da OAB-SP, Carlos Miguel Aidar,
prevê que os “advogados e as sociedades de advogados que desempenharem
atividades pro bono para as entidades beneficiárias definidas no Artigo 2º,
estão impedidos, pelo prazo de dois anos, contados da última prestação de
serviço, da prática de advocacia, em qualquer esfera”.
Presente à audiência pública, o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes preferiu não emitir juízo sobre a
legalidade ou ilegalidade da resolução da OAB-SP, mas ressaltou que deve ser
feito “um grande esforço para quebrar esse tipo de preconceito”. “Imaginem se
pudéssemos ter um advogado em cada presídio desse país. Mudaríamos o quadro de
tortura, de abusos e de prisões provisórias que são dispensáveis. Isso não é
impossível de se fazer, considerando-se o número de advogados de que dispomos”,
disse o ministro.
Mendes admitiu que, na atualidade, o país tem
carência em relação à advocacia pro bono, que é destinada principalmente para
as pessoas que precisam recorrer à Justiça, mas não têm condições financeiras
para fazer uso dela. “Certamente temos iniciativas isoladas, temos um ou outro
instituto e temos também essas incompreensões por parte de setores da OAB e
também da própria Defensoria Pública, que acabam atrapalhando esse desenvolvimento.
No Conselho Nacional de Justiça [CNJ] estimulamos os tribunais a facilitar a
instalação da advocacia voluntária ou solidária para que possamos atender a
esses carentes. Mas temos essa massa de casos, essa judicialização imensa,esse
número imenso de presos e temos insuficiência no que diz respeito ao acesso à
Justiça e ao atendimento dessas pessoas”, disse o ministro.
Segundo o ministro, uma das formas de
corrigir esse problema é por meio de “iniciativas complementares”, pensando-se,
por exemplo, em residência jurídica, tal como existe a residência médica,
obrigando os advogados ou futuros advogados “a dar um pouco de seu tempo para
esse tipo de atividade”.
Para o ex-ministro e advogado José Carlos
Dias, também presente à audiência, a resolução da OAB-SP “é uma violência aos
direitos de defesa e à liberdade do advogado” e também às pessoas mais
carentes, que “tem expectativa de ter alcance à Justiça e que a ela não pode
chegar”. “A OAB, impedindo ou proibindo a advocacia solidária, está praticando
um ato de violência”, disse.
O ex-ministro, que advoga há 50 anos, disse
que pretende continuar praticando a advocacia pro bono, como sempre fez,
inclusive durante a ditadura militar, quando defendeu presos políticos que não
podiam pagar seus honorários. “Ninguém pode me impedir de trabalhar. E ninguém
pode exigir que eu receba pelo meu trabalho”, disse, defendendo o que chama de “desobediência
civil” à resolução da OAB. Para ele, a questão sobre a legalidade ou ilegalidade
da norma paulista pode até vir a ser discutida e julgada no STF.
Ausente da audiência pública, a OAB-SP
informou à Agência Brasil, por meio de nota assinada por seu presidente Marcos
da Costa, que o debate sobre a resolução paulista, por se tratar de tema afeto
à regulação profissional, é da competência do Conselho Federal da OAB.
“Assumimos a presidência da OAB-SP há menos de dois meses e reconhecemos que o
pro bono é um tema importante e estamos dispostos a dialogar com todos os
atores, de forma transparente e democrática, até para extrair uma posição a ser
encaminhada ao Conselho Federal da OAB”, disse ele.
(Edição: Fábio Massalli)
Elaine Patricia Cruz - Repórter da Agência
Brasil
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