É possível que se acabe a época de papados eurocêntricos que começou em 1978 com João Paulo II
Elio Gaspari nasceu em Nápoles, Itália em 1944, é jornalista e escritor ítalo-brasileiro - colunista do jornal Folha de S. Paulo, jornal diário de São Paulo, onde está radicado.
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Tudo o que se pode esperar da escolha do sucessor de Bento 16 é o fim de um Vaticano eurocêntrico. Desde que Karol Wojtyla tornou-se João Paulo 2º a Europa é o centro das atenções da Cúria. O papa polonês cumpriu uma fenomenal missão histórica ajudando a desmontar décadas de tolerância com as ditaduras comunistas. Seu sucessor teve um pontificado medíocre enrolado pela tolerância com escândalos sexuais e financeiros de sacerdotes. Um deles passou de raspão pelo Brasil, num trambique do namorado da atriz Anne Hathaway, sócio do sobrinho do atual decano do Colégio de Cardeais, o poderoso ex-secretário de Estado Angelo Sodano. A moça micou em US$ 135 mil e o rapaz foi preso nos Estados Unidos.
As dificuldades do Vaticano com suas finanças são antigas. Foi Pio 9º quem avisou: "Posso ser infalível, mas estou falido." Já os desempenhos sexuais de alguns sacerdotes, mesmo sendo coisa antiga, tornou-se uma encrenca recente, com a qual João Paulo 2º e Bento 16 nunca conseguiram lidar direito, envenenando a missão pastoral de dioceses europeias e americanas.
O eurocentrismo da Cúria Romana refletiu-se no Brasil. Durante o pontificado de Paulo 6º, Pindorama passou de dois para oito cardeais. Hoje tem cinco. Bento 16 deixou sem o barrete cardinalício as arquidioceses de Rio e Brasília. Porto Alegre teve cardeal e está sem. Recife, a primeira sé cardinalícia do país, está na segunda divisão desde os anos 60, quando a ditadura hostilizava d. Helder Câmara e não queria vê-lo cardeal. Se foi econômico com os barretes brasileiros, Bento 16 foi generoso aspergindo-os pela Europa. Elevou a diocese de Valência (800 mil habitantes), na Espanha, mas não confirmou o barrete de Porto Alegre (1,4 milhão de habitantes). Continue lendo...
Quem especular o nome do sucessor de Ratzinger pode jogar cara ou coroa. Nos seis últimos conclaves elegeram-se três favoritos (Ratzinger, Paulo 6º e Pio 12) e três azarões (João Paulo 2º, João Paulo 1º e João 23, um gorducho que mal cabia nas vestes preparadas pelos alfaiates que trabalharam no conclave).
Pode-se esperar que depois de um papa saído da academia de teólogos e da burocracia de Roma, venha um pastor, como os dois João Paulo e João 23. Um administrador de diocese do Terceiro Mundo uniria o útil ao agradável. É assim que entra nas listas, com um sopro romano, o cardeal de São Paulo, d. Odilo Scherer, pastor de uma das maiores arquidioceses do mundo. Aos 63 anos, teria um longo pontificado. Ele tem uma característica anfíbia. É brasileiro, mas, como quatro outros cardeais brasileiros (Cláudio Hummes, Paulo Evaristo Arns, Aloísio Lorscheider e Vicente Scherer, seu parente distante), descende da imigração alemã. A mola mestra da eleição dos dois últimos papas foi a capacidade de articulação da hierarquia alemã.
D. Odilo lidera a facção conservadora do clero brasileiro, derrotada na última eleição da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e nas eleições gerais em que se meteu. Para consumo mundial, preenche o requisito de um papa do Terceiro Mundo, condição só superável pela escolha de um africano como Francis Arinze, de Lagos, na Nigéria. Mais que africano, Arinze tem 80 anos e passou 25 em Roma. Seria um papa de transição.
Com uma eleição marcada para o fim de março e um papa vivo, vem aí um conclave inesquecível.
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