Religião. Fontes próximas ao Vaticano afirmam
que exaustão declarada pelo pontífice está mais ligada aos confrontos internos
do que à idade avançada; corrupção no Banco do Vaticano e roubo de documentos
por seu ex-mordomo seriam parte do desgaste
Cansado e sem energia, mas também isolado
politicamente. O papa Bento XVI de fato renunciou ao pontificado por conta de
sua fragilidade. Fontes próximas ao Vaticano, porém, afirmam que a exaustão não
tem a ver apenas com a sua saúde, mas também com a disputa de poder que marcou
seus últimos meses no trono. A renúncia teria sido uma reação extrema ao que
muitos classificam de governo paralelo, que teria se formado à sua sombra e sob
comando do cardeal Tarcisio Bertone.
Fontes nas embaixadas estrangeiras junto à
Santa Sé relataram ao Estado os bastidores dos últimos meses de Bento XVI.
Dizem que o papa renunciou de livre vontade, mas consciente de que já não mandava
sozinho na Santa Sé e, com os poucos anos que lhe restavam, não conseguiria
fazer o que havia planejado diante de resistência de seus ex-aliados.
De forma indireta, a Santa Sé confirmou que a
fragilidade não vinha de sua saúde. "O papa é uma pessoa de grande
realismo e conhece os problemas e as dificuldades", disse o porta-voz da
Igreja, Federico Lombardi. "A renúncia foi uma mensagem à Cúria, mas
também a todos nós", disse. "Foi um ato de humildade, sabedoria e
responsabilidade."
Para Lombardi, não se tratava de um problema
específico, mas sim uma visão "mais ampla da Igreja no mundo. "O papa
pensou em tudo isso", insistiu. "Não foi uma decisão improvisada. Foi
algo muito lúcido."
O papa chegou ao trono com a promessa de que
conduziria uma limpeza na Igreja. O resultado, porém, foi o contrário e o
equilíbrio de poder que existia dentro da instituição durante os anos de João
Paulo II ruiu.
Suas decisões de punir cardeais simplesmente
foram ignoradas ou levaram anos para serem cumpridas, em um desafio claro ao
poder do papa. Foram os casos de Roger Mahony ou de Thomas Curry. Marcial
Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, foi outro que acabou sendo
protegido por anos, apesar das denúncias. Por mais que tenha tentado, Bento XVI
jamais conseguiu implementar sua ideia "de tolerância zero" em
relação à pedofilia. "Quanta sujeira na Igreja", chegou a declarar.
Bento XVI também deu indicações de que
poderia rever algumas de suas bases, como a questão do uso do preservativo.
Vários cardeais mostraram-se irritados e se apressaram em negar a posição. Esse
não seria o único caso de desobediência. Bertone estaria tomando medidas à sua
revelia, até mesmo punindo aliados do pontífice. Em uma das ocasiões, teria
desabado a chorar.
Também pesaram a revelação de corrupção pelo
Banco do Vaticano, seguido pelo descobrimento de que próprio mordomo, pessoa
que o vestia todos os dias e estava em sua intimidade, havia roubado documentos
que expunham a corrupção na Igreja.
Para diplomatas, um indício de que Bento XVI
não acreditava que o mordomo havia agido sozinho foi sua decisão de perdoá-lo,
mesmo depois que um tribunal do Vaticano o condenou. Em seus anos como chefe da
Doutrina da Fé, o então cardeal Joseph Ratzinger era conhecido por ser
implacável com quem saia da linha.
Em agosto, Bento XVI foi à casa que o
Vaticano dispõe nos arredores de Roma para descanso. Fontes no Vaticano
confirmaram já naquele momento ele estava isolado. Enquanto isso, atividades e
manobras nos bastidores da Santa Sé não paravam.
Nos últimos meses, Bento XVI abandonar o
confronto. Aos que chegavam com alguma intriga doméstica, respondia: "Eu
sou um papa velho".
População. Na Praça São Pedro, poucos
deixaram seus trabalhos ontem para rezar pelo papa. Se há oito anos a morte de
João Paulo II foi marcada pela chegada de milhares de pessoas de todo o mundo,
o fim do pontificado de Bento XVI praticamente não alterou a vida nas ruas
próximas, salvo por conta dos jornalistas que desembarcaram.
Por JAMIL CHADE , ENVIADO ESPECIAL, FILIPE
DOMINGUES, ESPECIAL PARA O ESTADO, CIDADE DO VATICANO, estadao.com.br
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