terça-feira, 27 de abril de 2010

Helenilson Cunha Pontes - Doutor, Livre-Docente pela USP e advogado tributarista

BELO MONTE E O PARÁ

A hidrelétrica de Belo Monte virou prioridade absoluta para o Governo Federal, quase uma obsessão que, infelizmente, não se vê em outros projetos de fundamental importância para o Pará e o Brasil, como o asfaltamento da Transamazônica e da Santarém-Cuiabá. Em razão desta circunstância, se nenhuma decisão judicial de última hora impedir, provavelmente nesta semana será realizado o leilão que definirá o consórcio vencedor para a construção e exploração deste megaprojeto de geração de energia hidrelétrica.

Segundo os técnicos do Governo Federal, a hidrelétrica de Belo Monte é fundamental e indispensável para evitar que o Brasil mergulhe no apagão a partir da próxima década, considerada a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro.

Para contestar os opositores do projeto, especialmente moradores da região afetada pelo projeto, o Governo Federal alega que estão previstas compensações socioambientais superiores a 19 vezes o orçamento de investimento do Governo do Estado do Pará. O discurso oficial afirma que serão realizadas obras em comunicação, transporte e saneamento básico, prometendo que mais de 4.300 famílias que hoje vivem em palafitas ganharão residências dignas.

Segundo as previsões, serão criados em torno de 18 mil postos de trabalho, a serem ocupados prioritariamente com trabalhadores da região. Programas de capacitação profissional e diversificação de atividades produtivas também estão contemplados no projeto.

Parece evidente que o gigantismo da obra causará danos ambientais, e a longa lista de argumentos favoráveis e contrários à obra é prova incontestável desta afirmação. O debate está no balanceamento custos x benefícios que o projeto trará não só no presente, mas principalmente no futuro, e não só para os habitantes da região afetada, mas para todos os paraenses e o Governo do Pará.

Primeiro é preciso registrar que as compensações ambientais previstas no projeto e utilizadas como argumentos favoráveis à obra não são favores governamentais às comunidades afetadas. São deveres legais e condicionantes jurídicas à execução do projeto. Logo, as pessoas beneficiadas pelas obras compensatórias não devem nutrir qualquer sentimento de gratidão ao consórcio empresarial vencedor, ao Governo Federal e nem aos políticos que se apresentam como defensores do projeto.

Segundo, e para mim aspecto igualmente importante, é a reflexão acerca da repercussão de Belo Monte para a economia e as finanças do Pará.

A energia de Belo Monte permitirá que finalmente o Pará possa se transformar em um Estado com alguma base industrial, que vá além, evidentemente, do desgastado e cansado discurso da verticalização mineral?

No discurso oficial em favor da obra, não se ouve uma só palavra sobre o eventual efeito positivo da energia de Belo Monte para a economia e o povo do Pará. Pelo contrário, todas as justificativas de Belo Monte apóiam-se na necessidade de criar novas fontes de energia para abastecer os Estados industrializados do centro-sul.

Se a energia de Belo Monte é mesmo para desenvolver a economia dos outros Estados, é justo que o Pará seja recompensado por isso, o que não ocorre com a regra constitucional hoje vigente para a tributação da venda de energia de um Estado para outro. Não vejo uma autoridade pública sequer, nem mesmo do Governo do Pará, aproveitar o momento auspicioso para levantar a bandeira da revisão constitucional do critério de tributação do ICMS. Se nada mudar, o Brasil vai gozar da energia gerada do Pará e os paraenses ficarão apenas com as mazelas do novo projeto, que as compensações socioambientais prometem reparar.

Também não se ouve uma só palavra do Governo Estadual acerca da compensação pela exploração de recursos hídricos, devida ao Estado e aos municípios, que, por ser prevista em simples lei ordinária, poderia ser aumentada por simples medida provisória e, assim, representar um compensação definitiva aos paraenses de amanhã pelos impactos gerados pelo megaprojeto energético.

Enfim, o que me incomoda neste debate de Belo Monte é a completa ausência de perspectiva dos efeitos da obra sobre o futuro (dos paraenses, especialmente). O Governo Federal acena com compensações socioambientais, cujo efeito é localizado e imediato. É o caso de se perguntar: e o futuro? O que ocorrerá com a economia do Pará depois da usina pronta? Qual a recompensa que o povo e o Governo do Pará terão por gerarem a energia que permitirá que os Estados industrializados incrementem o seu desenvolvimento?

O enredo deste filme parece que já é conhecido dos paraenses, ou seja, mais colonialismo à vista. Culpa exclusiva da falta de altivez e liderança da elite política do Estado.

Fonte: Jornal O Impacto

Nenhum comentário:

Postar um comentário