Gravações
com inconfidências da ex-mulher de um deputado e uma planilha revelam indícios
do que, há anos, circula nos corredores do Congresso: um grupo de deputados do
baixo clero opera um balcão de negócios envolvendo as emendas parlamentares. A
denúncia vem da ex-mulher do deputado João Bacelar (PR-BA), mas atinge outros
parlamentares. A empresária Isabela Suarez, filha e braço-direito do
empreiteiro Carlos Suarez, fundador da OAS e um dos maiores empresários da
construção civil na Bahia, afirma que Bacelar compra emendas de colegas.
O GLOBO teve
acesso a duas conversas entre Isabela e a irmã de Bacelar, Lílian, que trava
com ele uma briga na Justiça por causa da herança do pai e, por isso, resolveu
fazer a gravação. Na conversa, Isabela detalha vários negócios feitos por
deputados e, especialmente, pelo ex-marido.
— Desse cara
do PT, com certeza ele (Bacelar) compra emenda. O nome dele é Geraldo alguma
coisa. Federal da Bahia. Se procurar, na hora você vai achar: Geraldo. Com
certeza, com certeza. Eles operavam com o filho dele — disse a empresária.
O único
deputado do PT da Bahia com esse prenome é Geraldo Simões.
Isabela não
sabia que estava sendo gravada. Procurada esta semana pelo GLOBO, desconversou,
afirmando que “não tinha o que dizer”.
A revelação
da ex-mulher faz ainda mais sentido ao ser cruzada com um documento que o
próprio Bacelar manipulava. O documento vem a público agora, por conta da
disputa que o parlamentar trava com a irmã. Trata-se de uma tabela que estava
anexada junto a uma série de e-mails trocados pelo deputado.
A tabela
traz o nome de municípios que receberam emendas no orçamento da Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Junto, estão
cinco siglas que, aparentemente, referem-se a deputados: GS, FS, JB, MM e FF.
Nela, GS figura como tendo enviado R$ 3 milhões para o município de Casa Nova. Procurada,
a Codevasf confirmou que o deputado federal que destinou esta emenda para a
cidade foi Geraldo Simões.
R$ 3 milhões
para ‘base’ de 4 votos
Tradicionalmente,
as emendas parlamentares são destinadas a municípios onde o parlamentar tem
voto, justamente para retribuir à base eleitoral. Mas, ironicamente, Simões
teve apenas quatro votos em Casa Nova na eleição de 2010.
O município é um
reduto eleitoral justamente de Bacelar, que teve 7.599 votos lá. A situação se
repete com quase todos os municípios citados na tabela com a verba destinada
pelos deputados para a Codevasf.
Em cinco dos sete municípios, Bacelar é o
primeiro ou segundo deputado federal mais votado.Até o ano passado, Bacelar era
um parlamentar absolutamente desconhecido da imensa maioria dos brasileiros.
Filho de um ex-deputado, com base eleitoral no interior da Bahia, Bacelar só
chegou ao noticiário nacional após se descobrir que ele usava o mandato para
cometer um rol surpreendente de irregularidades. Ele direcionava suas emendas
para a empreiteira da própria família, colocou na folha de seu gabinete a
empregada doméstica de sua família e praticava nepotismo cruzado. Justamente
pela prática desse último ilícito, Bacelar está no momento respondendo a um
processo no Conselho de Ética.
Numa das
conversas gravadas, Isabela Suarez explica que um dos motivos que leva ao
comércio de emendas é a busca por caixa de campanha:
— Época de
campanha política, neguinho está sem dinheiro. Aí pega um deputado que esteja
mais capitalizado. Como ele (Bacelar) tem construtora, aí vende as emendas para
ele antecipadamente com o compromisso. Aí, ele vai lá e aporta dinheiro na
campanha do cara. Aí, quando ele entrar no mandato, vai lá e paga as emendas
(…) Quem negocia emenda, todo mundo sabe. Ele deve negociar emenda com todos os
deputados. Porque o cara precisa disso para poder financiar sua campanha.
Idealizadas
como um mecanismo para as verbas do governo federal financiarem obras nos
rincões do país, as emendas parlamentares tornaram-se um manancial de corrupção
desde seu surgimento e levaram a uma perversão da atividade parlamentar. Hoje,
a maioria dos deputados passa boa parte de seu tempo dividido entre as tarefas
de receber prefeitos que vão a Brasília pedir verbas e o compromisso de visitar
dia a dia ministérios em busca da liberação das verbas que destinou às suas
bases eleitorais. Prova inequívoca da importância que as emendas ganharam foi a
evolução de seu valor nos últimos anos.
Só entre
2007 e este ano, o valor destinado a elas saltou de R$ 6 milhões para R$ 15
milhões, por parlamentar. Deputados e senadores têm direito de destinar suas
verbas para qualquer cidade ou entidade que desejarem. Mas a regra é que as
emendas vão para as regiões onde o político tem eleitorado forte. Aprovada a
emenda no Orçamento começa uma segunda batalha: a pressão ao Executivo para que
os recursos sejam liberados. Nessa hora, a bancada governista sai em vantagem e
os ministérios começam a abrir os cofres para gastar as verbas previstas nas
emendas.
Fonte: O Globo
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