sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sem trem-bala, Brasil vive com o ‘trem-tatu’.


‘Fast food’ regional marca a viagem na maior linha férrea de passageiros do país, uma das duas únicas em operação.


HENRIQUE GOMES BATISTA

Mulheres aproveitam parada de dois minutos do trem, em pequenas localidades do Meio Norte, para vender quentinhas aos passageiros

DOMINGOS PEIXOTO / AGÊNCIA O GLOBO

PARAUAPEBAS (PA) e SÃO LUÍS (MA)

— Para muitos, falar em viagem de trem gera nostalgia, a lembrança de um tempo em que os vagões eram sinônimos de charme, elegância e conforto. Para outros, o trem remete à modernidade, com os novíssimos trens-bala que cortam o Primeiro Mundo. Mas a maior linha férrea de passageiros do país está longe destes dois padrões. 

O serviço de 892 quilômetros, que conduz cerca de mil pessoas por dia entre o Maranhão e o Pará, é popular. Popular, porém eficiente e, diferentemente dos trens de outrora e das novidades de alta velocidade, com a cara do Brasil. Afinal, em que outro local se pode comer um fast food de tatu por R$ 5?

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No terceiro dia da série “O Brasil que não viaja de avião”, O GLOBO embarcou no trem operado pela Vale desde 1985, onde a maior parte dos passageiros prefere as “bandecas”, como são conhecidos os PFs e as quentinhas na região. Sobretudo as pessoas que vão na classe econômica — o trem tem duas categorias de serviço, primeira e segunda classes. Isso porque o serviço das “bandequeiras” é mais barato que a refeição no vagão-lanchonete, onde um prato não sai por menos de R$ 8. 

E as “bandecas” têm o sabor do Meio Norte: muitas são de peixe amazônico, algumas são de frango e mesclam arroz com macarrão, como é hábito regional. Mas o chamariz de muitas delas é a saborosa carne de tatu, muito apreciada na região. 

Toda a transação é muito dinâmica, as pessoas só têm três minutos para comprar sua comida, o tempo que o trem fica nas paradas mais curtas.

Passageiros sonham com trem até São Paulo

Esse movimento intenso contrasta com a organização de uma empresa do porte da Vale, que leva sua experiência para o trem. As “bandequeiras” fazem lembrar que essa linha rasga uma das regiões mais pobres do país. Mas não é apenas na comida que isso fica evidente. As carências da população dessas localidades são percebidas antes do embarque. Leudi Ramos Pinto, que foi de Parauapebas (PA) para José Doca (MA), é um exemplo. Com sete meses de gravidez, ela voltava para casa após visitar os pais.
— Quero ter meu filho na minha cidade. Eu ainda não sei o sexo, ainda não bati o ultrassom.

Ela teve de enfrentar o desconforto de passar uma noite em claro em frente à estação de trem, pois sairia caro fazer duas viagens entre a casa de seu pai e a estação: uma para comprar o bilhete e outra, no dia seguinte, para embarcar.

— Mas eu não ligo de esperar, eu fico é alegre, por saber que vou voltar pra casa. Fico pensando nisso e o tempo passa rapidinho — afirmou Leudi acompanhada do filho Wesley, de quatro anos, e na companhia de dezenas de outras pessoas na estação, algo que se repete diariamente.

Há quem aproveite essas madrugadas na estação para faturar. Miguel Caetano de Souza, de 61 anos, vende laranja descascada a R$ 0,50, pedaço de bolo a R$ 1, caldo de carne, frango ou camarão a R$ 2, espetinho de carne a R$ 3 e espetinho de carne com arroz e farofa a R$ 5 em Parauapebas.

— Aqui é bom, mas depende do dia. Tem dia que dá R$ 250, mas venho sempre, não posso brincar, tenho que honrar todo mês um aluguel de R$ 200, não é mole — afirmou, desanimado, após uma noite não muito boa, onde a única mercadoria que esgotou foram as laranjas.

Para essas pessoas, pagar R$ 45 para percorrer os 892 quilômetros em 16 horas é muito melhor, mais rápido e barato que ir de ônibus — cuja passagem pode sair por até R$ 130, mais caro que o trem na classe executiva, R$ 90. Os dez vagões da área econômica não têm ar-condicionado, mas contam com algo fundamental: segurança.

— Aqui no trem eu vou estudando, aproveitando o meu tempo, tenho segurança. 

Nunca poderia ir com o laptop no ônibus, chama muita atenção. Aqui eu não corro risco. Além disso, a Vale tem que garantir a nossa chegada. Se for de ônibus e ele quebrar, ficamos na mão. Aqui não, a Vale tem que dar um outro transporte. 

Já aconteceu comigo, e eles terminaram nossa viagem de ônibus — afirmou a professora de História Maria dos Reis, que seguia de Açailândia para Buriticu.

Ela não sente falta da classe executiva. Mas o representante comercial Dorivan Bento Soares, de 64 anos, sempre paga o dobro do valor da econômica para ir nos dois vagões diferenciados:

— Tem ar-condicionado, menos confusão. Não me levanto nem para pedir comida.
Em geral, quem ocupa essas poltronas exclusivas são os funcionários da Vale. 

A empresa afirma que mantém o serviço por uma questão de responsabilidade social, embora esteja obrigada, por contrato, desde a sua privatização, a manter esta linha e a outra, entre Belo Horizonte e Vitória, justamente as duas únicas em operação para passageiros de longa distância no país. Sem revelar os números, a Vale afirma que não tem prejuízo com a operação.

Não há voos entre as duas cidades. Mas, se houvesse, não haveria muita demanda:
— Nunca voei. Tenho receio. Meu irmão mora em São Paulo e me convidou para ir lá assim, mas não tive coragem. O que eu queria é visitá-lo de trem, mas sei que isso não existe — disse a dona de casa Fabiana Costa Pereira, que voltava de uma vista aos pais em Marabá com a filha Maria Eloá, de 3 anos.

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