O anúncio da liberação de R$ 22,5
bilhões para a construção de Belo Monte, feito pelo BNDES nesta segunda, 26,
levou nove organizações da sociedade civil a enviar uma representação ao
Ministério Publico Federal no sentido de solicitar medidas jurídicas que
impeçam o repasse do empréstimo enquanto as inúmeras pendências sociais,
ambientais e jurídicas do projeto não forem sanadas.
De acordo com as entidades, o
financiamento de Belo Monte pelo BNDES fere uma série de normas legais e do
próprio banco, uma vez que o projeto, além das graves irregularidades cometidas
durante o processo de licenciamento e no cumprimento das condicionantes
sociais, ambientais e indígenas, sofre de grave insegurança jurídica, econômica
e energética.
Em nota divulgada nesta quarta, o
Movimento Xingu Vivo para Sempre lista as principais salvaguardas do BNDES que
não foram consideradas pelo Banco nos tramites de financiamento de Belo Monte.
“Nenhum dos critérios sociais e ambientais do próprio BNDES foram aplicados
para liberar dinheiro pra usina. O banco ainda diz que parte dos recursos
deverá ser usada em mitigação de problemas. Isso é conversa, ninguém garante
que esse dinheiro vai minimizar o sofrimento dos atingidos, já que até agora
praticamente todas as promessas da Norte Energia feitas aos índios, ribeirinhos
e agricultores foram descumpridas. O BNDES já repassou mais de três bilhões pra
Belo Monte sem nenhuma análise de risco, e veja a situação desastrosa da
população da região, do desmatamento e da falta de estrutura em Altamira”,
afirma Antonia Melo, coordenadora do Movimento.
Leia a nota na íntegra:
Financiamento do BNDES a Belo Monte
contraria as normas do próprio banco e será questionado na Justiça
Praticamente todas as salvaguardas
socioambientais do BNDES foram ignoradas pelo banco ao anunciar novo aporte de
R$ 22,5 a Belo Monte
Nesta segunda, 26, o BNDES anunciou a
liberação de R$ 22,5 bilhões para a construção de Belo Monte. É o maior
financiamento da história do Banco, cujos recursos advêm, em parte, do nosso dinheiro
(FGTS e Fundo de Amparo ao Trabalhador, entre outros).
Somando-se os dois empréstimos-ponte já
concedidos ao Consórcio Norte Energia – R$ 1,1 bilhão em meados de 2011, e R$
1,8 bilhão em fevereiro de 2012 -, Belo Monte recebe do BNDES (por enquanto) R$
25,4 bilhões.
Os primeiros dois empréstimos foram
liberados pelo Banco sem nenhuma análise de risco, e nenhuma análise de risco
foi apresentada ao público juntamente com a liberação dos R$22,5 bilhões agora.
E os riscos são tantos que, se Belo Monte naufragar, quebra o BNDES.
De acordo com o BNDES – e aqui
transcrevemos uma lista de salvaguardas enviadas pelo próprio Banco -, as
medidas obrigatórias nas operações financeiras incluem:
1. Avaliação do beneficiário no que
tange às suas políticas, práticas e gestão socioambiental, inclusive no
ambiente externo, considerando articulação com políticas públicas e o
desenvolvimento local e regional sustentável, tendo como referência o conceito
de Responsabilidade Social e Ambiental;
2. Realização de uma avaliação do
beneficiário sobre a sua regularidade junto aos órgãos de meio ambiente,
pendências judiciais e efetividade da atuação ambiental;
3. Avaliação do empreendimento no que
tange os aspectos relativos a ecoeficiência, adoção de processos e produtos
social e ambientalmente sustentáveis, emissões de gases de efeito estufa;
4. Avaliação do atendimento a exigências
ambientais legais, em especial o zoneamento ecológico-econômico e o zoneamento
agroecológico, e verificação da inexistência de práticas de atos que importem
em crime contra o meio ambiente;
5. Inclusão de possíveis condicionantes
de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a partir da análise realizada
(do cliente e do empreendimento), em complemento às exigências previstas em
lei;
6. E, na fase de Acompanhamento da
operação, devem ser verificados:
- as regularidades fiscal,
previdenciária e ambiental do beneficiário e do empreendimento;
- o cumprimento de eventuais medidas
mitigadoras, obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes
presentes no contrato e nas licenças ambientais;
- o acompanhamento dos indicadores
sociais e ambientais para monitoramento e avaliação do beneficiário e do
empreendimento; Belo Monte é um empreendimento sobre o qual pesam 53 ações
jurídicas – uma das quais, que versa sobre a não realização das consultas
indígenas, está no STF para votação em plenária e poderá anular todo o
licenciamento da obra, como entende o TRF1. Nenhuma análise da “regularidade
jurídica” do projeto pode ignorar o fato, e muito menos aprovar empréstimos da
monta do efetuado pelo BNDES.
As condicionantes sociais, ambientais e
indígenas de Belo Monte não foram cumpridas, o que tem causado consecutivos
protestos por parte dos atingidos. Nenhuma análise do “cumprimento de eventuais
medidas mitigadoras e condicionantes presentes no contrato e nas licenças
ambientais” do projeto pode ignorar o fato, e muito menos aprovar empréstimos
da monta do efetuado pelo BNDES.
Os índices de desmatamento da região de
Altamira têm atingido recordes mês a mês. Os índices de violência e
assassinatos, da mesma forma. O custo de vida para a população local, em termos
de preços de alimentos, moradia, saúde e outros itens básicos, idem. Nenhum
acompanhamento dos “indicadores sociais e ambientais” do projeto pode ignorar o
fato, e muito menos aprovar empréstimos da monta do efetuado pelo BNDES.
As estruturas de saúde, educação,
saneamento, segurança e outros serviços básicos nos municípios da região – em
especial Altamira – colapsaram. Nenhuma análise das “políticas, práticas e
gestão socioambiental, inclusive no ambiente externo, considerando articulação
com políticas públicas e o desenvolvimento local e regional sustentável” do
projeto pode ignorar o fato, e muito menos aprovar empréstimos da monta do
efetuado pelo BNDES.
No início de 2012, a Norte Energia foi
multada em R$ 7 milhões pelo Ibama, fato ignorado pelo BNDES; dezenas de
ribeirinhos e agricultores perderam casas e terras sem indenização devida
(tendo motivado inúmeras ações contra o empreendimento), fato ignorado pelo
BNDES; a drástica diminuição de peixes e a mortandade de quelônios na Volta
Grande do Xingu é um fato, e o Banco não propôs quaisquer “condicionantes de
natureza social e/ou ambiental estabelecidas a partir da análise realizada (do
cliente e do empreendimento), em complemento às exigências previstas em lei”.
Greves e revoltas dos trabalhadores em
função de irregularidades trabalhistas se repetem ano a ano, tendo culminado,
recentemente, em ação que destruiu estruturas dos canteiros e paralisou as
obras.
Em nenhum momento a população
brasileira, os trabalhadores brasileiros, foram consultados sobre a
concordância ou não com o aporte de tal volume de recursos em uma obra com tal
volume de irregularidades e violações de direitos, agora e futuramente.
A Eletrobrás foi obrigada a garantir a
compra de 20% da energia a ser produzida por Belo Monte a um preço de R$
130/MWh, cerca de 70% superior à tarifa definida no leilão da usina – sendo que
o preço médio histórico da energia adquirida pelas grandes empresas que compõem
o mercado livre se situa na faixa de R$ 15 a R$ 20 por Mwh. Nenhuma avaliação
da viabilidade econômica de Belo Monte foi apresentada ao público pelo BNDES.
Belo Monte não é um fato consumado, uma
vez que apenas 15% da obra foram feitos. Mas são tantas as irregularidades que
marcam o projeto que, se a Justiça cumprir seu papel e aplicar as leis, ele
naufraga. E quando isso acontecer, o prejuízo ao BNDES pode ser irreversível.
Diante de tudo isso, o Movimento Xingu
Vivo para Sempre apresentou nesta quarta, 28, uma representação ao Ministério
Público Federal para que acione juridicamente o Banco e impeça o repasse dos R$
22,5 bilhões anunciado.
Altamira, 27 de novembro de 2012
Movimento Xingu vivo para Sempre
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