Márcio
Thomaz Bastos
Para o
procurador regional da República Manoel Pestana, que atua em Porto Alegre, o
criminalista Márcio Thomaz Bastos cometeu um crime ao aceitar os honorários
pagos pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Ele levou o
assunto tão a sério que propôs uma representação contra o advogado, na
segunda-feira (28/5), na Procuradoria da República em Goiás. Além da investigação,
pediu a quebra dos sigilos fiscal e bancário do criminalista.
De acordo
com o procurador, “o cliente do representado não ostenta renda lícita, que
justifique o pagamento de honorários de um advogado em início de carreira, a
fortiori de um causídico do nível do ex-ministro da Justiça, que, segundo
divulgado na imprensa, teria cobrado R$ 15 milhões a título de honorários
advocatícios”. Segundo ele, a conduta do ex-ministro da Justiça, que começou a
advogar em 1956, está tipificada no crime de receptação culposa, previsto no
artigo 180, parágrafo 3º, do Código Penal.
O procurador
afirma que “conquanto o patrocínio do ex-ministro da Justiça não seja ilegal, o
recebimento dos honorários em tais circunstâncias é ilegal, por configurar, em
tese, ilícito penal, conforme se verá a seguir”.
Em nota, o
ex-ministro rebateu as acusações e criticou o comportamento do procurador.
Segundo ele, as acusações mostram “retrocesso autoritário incompatível com a
história democrática do Ministério Público”. Para o criminalista, o procurador
abusa do direito de ação ao confundir o advogado com o réu que defende, e ainda
tenta intimidar o advogado para cercear o direito de defesa de seu cliente.
Thomaz
Bastos afirmou ainda que a atitude atenta contra o livre exercício do direito
de defesa. “Os honorários profissionais remuneram o serviço de advocacia que
está sendo prestado — fato público e notório — e seguem as diretrizes
preconizadas pelo Código de Ética da Advocacia e por outras leis do país.”
Advogados
entrevistados pela revista Consultor Jurídico refutaram a tese e criticaram os
argumentos, incluindo o embasamento jurídico.
O
criminalista Alberto Zacharias Toron é um deles. “Ingressamos numa etapa de um
verdadeiro macartismo jurídico. Se não se tratar de uma hipótese de prevaricação
por parte do procurador, estamos diante de uma verdadeira aberração. É
inadmissível que se queira perseguir o advogado por sua competência
profissional, pretextando o crime de lavagem. Chega a ser odioso e atentatório
à própria cidadania, além de ofender toda advocacia”, declarou.
Em
determinado ponto da representação, o procurador escreve que mais importante
até do que impedir que o infrator tire proveito da prática criminosa, é
“fazê-lo ficar sem recursos”. “Sem recursos, ele não terá como pagar advogados
caros, para encontrar brechas na lei e subterfúgios defensivos, a fim de
livrá-lo impunemente, tampouco teria a fidelidade de amigos e colaboradores
influentes, que o ajudam na esperança de serem contemplados com o dinheiro sujo
que o suposto criminoso movimenta”, argumenta.
O advogado
Antonio Ruiz Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB
paulista, lembrou que o direito de defesa deve ser colocado no mesmo patamar da
liberdade de imprensa. “Essa é uma regra basilar que deve ser resguardada por
toda sociedade para manutenção do estado democrático e de direito”, opina. Pare
ele, “é completamente indevida a intromissão do Ministério Público numa relação
de ordem privada, entre advogado e cliente”.
“Para o caso
de haver alguma questão relativa a honorários, só a OAB pode examinar se está
de acordo com regras legais e éticas. Não vejo como o MP pode impor a um
advogado que, ao cobrar os honorários, examine a procedência dos valores. Essa
tarefa não é dele. Quem investiga o dinheiro é o próprio MP ou a Receita
Federal”, explica.
Fernanda
Tórtima, presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da
OAB-RJ, também criticou a representação, que classificou como “absolutamente
descabida”. De acordo com ela, “só se pode imputar o crime de lavagem quando o
advogado usa o mandato como uma ficção, fraude mesmo, como forma de ajudar o
criminoso a dissimular a origem ilícita no dinheiro. No caso, a intenção é de
receber os honorários pelos serviços prestados, independentemente do valor, que
seja R$ 1 mil ou R$ 15 milhões”.
Márcio
Thomaz Bastos escreveu artigo para o jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira
(29/5). “Também servi à profissão como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional.
Na vida profissional, alguns momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a
Constituinte, o julgamento dos assassinos de Chico Mendes, a fundação do
Instituto de Defesa do Direito de Defesa e muitas centenas de defesas que
assumi, tanto no júri como no juiz singular”, disse.
No mesmo
artigo, ele escreveu: “Salvei minha independência como defensor, nunca a
alienando a quem quer que fosse. A liberdade do advogado é condição necessária
da defesa da liberdade. Assim como representei centenas de clientes dos quais
nunca recebi honorários, trabalhei para muitos que puderam pagar, alguns ricos,
entre pessoas físicas e empresas”.
Em nota
divulgada no domingo (27/5), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de
São Paulo, Luiz Flávio Borges D’urso, disse que “o fato de o advogado Márcio
Thomaz Bastos ter sido Ministro da Justiça, não lhe impede de agora advogar
livremente, sem qualquer restrição legal, aliás, o que já ocorre com inúmeros
outros colegas que ocuparam postos e cargos de destaque na política nacional”.
O Movimento
da Defesa da Advocacia divulgou, na segunda-feira (28/5), nota de apoio à OAB
paulista, na qual disse que “a incompreensão, por parte do inconsciente
coletivo, a respeito da figura do Advogado — que não pode jamais ser confundido
com seu cliente — é mácula que precisa ser superada em um verdadeiro Estado
Democrático de Direito, sendo de rigor cultivar, no seio da sociedade, a ideia
de que sem defesa não há processo; e sem processo não há justiça”.
O presidente
nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, também saiu em
defesa do criminalista. “A partir do momento em que se imputa ao advogado a
prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito
de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal
exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida”, afirmou.
A diretoria
da OAB nacional designou o advogado Arnaldo Malheiros Filho para acompanhar o
caso e defender pelo livre exercício profissional do advogado Márcio Thomaz
Bastos.
Não é a primeira
vez que o procurador Manoel Pestana interpela personalidades de processos sob
holofotes. No ano passado, tentou incluir o nome do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva na denúncia do esquema do mensalão, apresentada ao Supremo
Tribunal Federal. Em representação, que comentou em entrevista à ConJur, citou
atos legislativos assinados pelo ex-presidente e sua influência direta sobre a
decisão de habilitar o Banco BMG a operar com empréstimos consignados para os
segurados e inativos da Previdência Social, supostamente em favorecimento ao
banco, onde, segundo o Ministério Público Federal, circulou dinheiro do
esquema. É autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da
República, em que conta ter sido faxineiro, vendedor de livros, soldado, sargento
especialista de aeronáutica e oficial de Justiça do Superior Tribunal de
Justiça e procurador federal do INSS, antes de entrar para o MPF.
Leia a nota
divulgada pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos:
O advogado
Márcio Thomaz Bastos repudia as ilações de um procurador regional da República
no Rio Grande do Sul, por estar defendendo um acusado em caso de grande
repercussão nacional. Trata-se de retrocesso autoritário incompatível com a
história democrática do Ministério Público. Esse procurador confunde
deliberadamente o réu e o advogado responsável por sua defesa, abusando do
direito de ação.
Em seus
quase 60 anos de atividade como advogado e defensor da causa do Estado
Democrático de Direito, jamais se defrontou com questionamentos desse calão,
que atentam contra o livre exercício do direito de defesa, entre outros
direitos e garantias fundamentais, tanto do acusado como do seu defensor.
Os
honorários profissionais remuneram o serviço de advocacia que está sendo
prestado — fato público e notório — e seguem as diretrizes preconizadas pelo
Código de Ética da Advocacia e por outras leis do país.
O escritório
que dirige, como qualquer outra empresa, respeita todas as regras impostas pela
Receita Federal do Brasil. Causa indignação, portanto, a tentativa leviana de
intimidar o advogado, para cercear o direito de defesa de um cidadão. Trata-se
de lamentável desvio de finalidade.
MÁRCIO
THOMAZ BASTOS ADVOGADOS
Leia a nota
da OAB:
“As
democracias modernas consagram, como um dos valores fundamentais da sociedade,
a liberdade do ser humano e elegem o advogado como o profissional habilitado
para promover a defesa dos direitos e garantias fundamentais, tendo como esteio
o devido processo legal e a ampla defesa.
A partir do
momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar
exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a
atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão,
constitucionalmente protegida.
O
oferecimento de queixa-crime, com finalidade meramente midiática, contra o
advogado MÁRCIO THOMAZ BASTOS, com o objetivo de inibir o exercício da defesa
do seu constituinte, tem efeito perverso à democracia e à cidadania, não
podendo ser tolerado.
O Conselho
Federal da OAB se põe ao lado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que simboliza
neste caso o direito de defesa constitucional conferido a qualquer cidadão
brasileiro e manifesta o seu repúdio à atitude de um membro do Ministério
Público que tenta denegrir a imagem da advocacia brasileira, tentando confundir
o exercício profissional com os atos que são imputados ao seu constituinte.
A Ordem dos
Advogados do Brasil permanecerá vigilante na defesa das prerrogativas
profissionais da advocacia e adotará as medidas judiciais e administrativas
para coibir qualquer tentativa de diminuir o amplo direito de defesa e o
respeito à dignidade da advocacia.
Ophir
Cavalcante Junior.”
Fonte:
Consultor Jurídico
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