segunda-feira, 28 de maio de 2012

Prostituição infantil é o reflexo perverso de Belo Monte em Altamira (PA).


Com 100 anos de existência, a cidade de Altamira, no Pará, tem o apelido de “A Princesinha do Xingu”, mas algumas de suas pequenas princesas estão indo para o mau caminho com o andamento das obras da hidrelétrica de Belo Monte.

Além da criminalidade crescente, da inflação imobiliária, das desapropriações e dos problemas com saúde e educação, a principal cidade das proximidades vive o aumento da prostituição infantil, reflexo social de todo megaempreendimento em áreas distantes dos grandes centros.

“A hidrelétrica é a porta de entrada para todos os problemas. Claro que a prática da pedofilia já existia mas, com a chegada de muita gente de fora e a circulação de dinheiro, só aumenta”, relata a conselheira tutelar Lucinha Lima.

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A praxe é o caminhoneiro pegando adolescente para largar na cidade seguinte. O escândalo local foi um vereador que foi cassado e está foragido por exploração de menores. Mas a chegada de 5.000 pessoas nos últimos meses na cidade de 100 mil habitantes fez surgir cenas como esta contada pela conselheira: “Peguei  uma adolescente falando para a outra aqui no conselho: 'Olha que tem fila nos bancos. Hoje tem homem, hoje tem dinheiro'. Isso está fora dos limites.”

Com uma Kombi caindo aos pedaços como meio de transporte, o Conselho Tutelar tenta surpreender os locais mais frequentes onde há prostituição infantil. Um deles é um bar no Igarapé das Panelas, com mesa de bilhar velha na entrada, mas mulheres muito novas deitadas em redes à espera de clientes. “Tentamos flagrante três vezes, mas todos escapam pela mata”, conta a conselheira.

Inauguradas no final de 2011, duas boates luxuosas trouxeram garotas de outros Estados, prostitutas altas e brancas, para oferecer entretenimento sexual aos funcionários mais graduados da empreitada energética. “Isso serve como exemplo negativo para nossas meninas”, opina Lucinha.

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Os flocos de cinzas caindo como neve sobre Altamira denunciam uma queimada por perto e um caos social que vem de longe. Bem antes de Belo Monte, a região já era conhecida pela violência no campo e o desmatamento. Agora a migração recente trouxe problemas como déficit na educação e na saúde, aumento da criminalidade e uma inflação que vai da alimentação até os aluguéis, que triplicaram após a confirmação da obra.

A Norte Energia promete cumprir as 23 obras condicionantes presentes nos acordos para amenizar o impacto social no município, mas o prazo para isso vai até o início do funcionamento da hidrelétrica, em 2015. “Vale ressaltar ainda que as obras de saneamento (água e esgoto) irão contemplar 100% da área urbana de Altamira, tornando-a uma das únicas cidades no Brasil que contam com este serviço essencial à saúde e à qualidade de vida da população”, prometeu a diretoria socioambiental da Norte Energia, empresa que reúne entre seus acionistas a estatal Eletrobrás e a privada Vale.

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Foto 6 de 25 - 18.abr.2012 - O Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu pretende mudar o traçado da Rodovia Transamazônica (BR-230), no trecho que corta a cidade de Altamira, para evitar o aumento de acidentes. As obras de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte intensificaram o tráfego na região nos últimos anos Mais Valter Campanato/ABr
Entretanto, a prefeita da cidade, Odileida Sampaio (PSDB), se queixa da lentidão das obras na cidade para minimizar os contratempos. “Parece que a gente está mendigando, que eles estão fazendo um favor. Nós estamos oferecendo ao país o que temos de mais lindo: o rio Xingu. Queremos o desenvolvimento do Brasil. Mas a Norte Energia quer nos usar e depois nos humilhar. Queremos ser respeitados. Se eles pensam que nós só vamos falar 'amém', estão enganados”, reclama a mandatária do município em ano de eleições locais.

Quem está insatisfeito também são os mais 5.000 moradores dos igarapés que estão sendo retirados, afinal, o reservatório da hidrelétrica vai atingir o nível que o rio chega na época de cheia. “O pessoal da Norte Energia oferece dinheiro ou outra casa, mas não fala quanto dinheiro e qual casa é essa. Eles só perguntam, não respondem nada”, afirma Dione Silva, moradora do igarapé Altamira que corta o centro da cidade.

Dione passou pelo centro de capacitação do CCBB (Consórcio Construtor Belo Monte), --formado pelas maiores empreiteiras do país-- para trabalhar na construção da hidrelétrica. Hoje, se queixa das condições de trabalho.

ONDE FICA

“A gente trabalha o dia todinho no meio do sol, numa quentura que ofusca as vistas e dá uma dor de cabeça daquelas. Eles deviam colocar uma tenda para a gente trabalhar embaixo”, reclama. Por outro lado, Dione é extrativista de açaí, fruta que ela vai atrás com seu barco ancorado ao lado de sua palafita. Ela teme ser alojada em uma casa longe dos rios que a levam ao açaí silvestre.

“Os terrenos para construção das novas vilas em Altamira onde serão reassentadas as famílias impactadas pela construção do reservatório do rio Xingu já foram previamente escolhidos e anuídos pelo Ibama, órgão licenciador do empreendimento. Os locais, entretanto, ainda não foram divulgados à população justamente para evitar que os respectivos proprietários, tomados pela especulação imobiliária referida pelo jornalista, se valham disto para aumentar ainda mais os preços. Além disso, há também o risco de invasões destes imóveis, se divulgados antes da hora”, escreveu em e-mail a diretoria socioambiental da Norte Energia, em resposta à reportagem do UOL.

No centro de capacitação, os futuros operadores de escavadeiras treinam em um videogame como usar a pá mecânica empunhando joysticks diante de telões. Com 18 anos e oitava série completada, Aline Almeida já foi doméstica e secretária, mas agora treina para ser encanadora. Como ela, 70% de quem passa pelo centro nunca teve carteira de trabalho assinada, segundo dados do consórcio.

O governo federal imagina Altamira em 2015 como cartão-postal do desenvolvimento sustentável, mostrando que megaempreendimentos podem trazer progresso sem danificar tanto a natureza. Mas até agora, a cidade está bem longe do futuro sonhado por Brasília para aquele canto do Pará.


Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Altamira (PA)

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