Com 100 anos de existência, a cidade de
Altamira, no Pará, tem o apelido de “A Princesinha do Xingu”, mas algumas de
suas pequenas princesas estão indo para o mau caminho com o andamento das obras
da hidrelétrica de Belo Monte.
Além da criminalidade crescente, da inflação
imobiliária, das desapropriações e dos problemas com saúde e educação, a
principal cidade das proximidades vive o aumento da prostituição infantil,
reflexo social de todo megaempreendimento em áreas distantes dos grandes
centros.
“A hidrelétrica é a porta de entrada para
todos os problemas. Claro que a prática da pedofilia já existia mas, com a
chegada de muita gente de fora e a circulação de dinheiro, só aumenta”, relata
a conselheira tutelar Lucinha Lima.
UOL VISITA OBRAS DE BELO MONTE E CONFERE
IMPACTO SOCIAL
A praxe é o caminhoneiro pegando adolescente
para largar na cidade seguinte. O escândalo local foi um vereador que foi
cassado e está foragido por exploração de menores. Mas a chegada de 5.000
pessoas nos últimos meses na cidade de 100 mil habitantes fez surgir cenas como
esta contada pela conselheira: “Peguei
uma adolescente falando para a outra aqui no conselho: 'Olha que tem fila
nos bancos. Hoje tem homem, hoje tem dinheiro'. Isso está fora dos limites.”
Com uma Kombi caindo aos pedaços como meio de
transporte, o Conselho Tutelar tenta surpreender os locais mais frequentes onde
há prostituição infantil. Um deles é um bar no Igarapé das Panelas, com mesa de
bilhar velha na entrada, mas mulheres muito novas deitadas em redes à espera de
clientes. “Tentamos flagrante três vezes, mas todos escapam pela mata”, conta a
conselheira.
Inauguradas no final de 2011, duas boates
luxuosas trouxeram garotas de outros Estados, prostitutas altas e brancas, para
oferecer entretenimento sexual aos funcionários mais graduados da empreitada
energética. “Isso serve como exemplo negativo para nossas meninas”, opina
Lucinha.
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Belo Monte persegue cronograma, apesar de
greve, protesto, boicote e guerra midiática
Na vila de Santo Antônio, colada ao canteiro
de obras de Belo Monte, botecos e puteiros mais populares se instalaram para
lucrar com as horas vagas dos operários. Mas o local acabou desapropriado e
está semidemolido atualmente.
Os flocos de cinzas caindo como neve sobre
Altamira denunciam uma queimada por perto e um caos social que vem de longe.
Bem antes de Belo Monte, a região já era conhecida pela violência no campo e o
desmatamento. Agora a migração recente trouxe problemas como déficit na
educação e na saúde, aumento da criminalidade e uma inflação que vai da
alimentação até os aluguéis, que triplicaram após a confirmação da obra.
A Norte Energia promete cumprir as 23 obras
condicionantes presentes nos acordos para amenizar o impacto social no
município, mas o prazo para isso vai até o início do funcionamento da
hidrelétrica, em 2015. “Vale ressaltar ainda que as obras de saneamento (água e
esgoto) irão contemplar 100% da área urbana de Altamira, tornando-a uma das
únicas cidades no Brasil que contam com este serviço essencial à saúde e à
qualidade de vida da população”, prometeu a diretoria socioambiental da Norte
Energia, empresa que reúne entre seus acionistas a estatal Eletrobrás e a
privada Vale.
Ver em tamanho maior
Conheça detalhes da construção da usina de
Belo Monte
Foto 6 de 25 - 18.abr.2012 - O Comitê Gestor
do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu pretende mudar o
traçado da Rodovia Transamazônica (BR-230), no trecho que corta a cidade de
Altamira, para evitar o aumento de acidentes. As obras de construção da usina
hidrelétrica de Belo Monte intensificaram o tráfego na região nos últimos anos
Mais Valter Campanato/ABr
Entretanto, a prefeita da cidade, Odileida
Sampaio (PSDB), se queixa da lentidão das obras na cidade para minimizar os
contratempos. “Parece que a gente está mendigando, que eles estão fazendo um
favor. Nós estamos oferecendo ao país o que temos de mais lindo: o rio Xingu. Queremos
o desenvolvimento do Brasil. Mas a Norte Energia quer nos usar e depois nos
humilhar. Queremos ser respeitados. Se eles pensam que nós só vamos falar
'amém', estão enganados”, reclama a mandatária do município em ano de eleições
locais.
Quem está insatisfeito também são os mais
5.000 moradores dos igarapés que estão sendo retirados, afinal, o reservatório
da hidrelétrica vai atingir o nível que o rio chega na época de cheia. “O
pessoal da Norte Energia oferece dinheiro ou outra casa, mas não fala quanto
dinheiro e qual casa é essa. Eles só perguntam, não respondem nada”, afirma
Dione Silva, moradora do igarapé Altamira que corta o centro da cidade.
Dione passou pelo centro de capacitação do
CCBB (Consórcio Construtor Belo Monte), --formado pelas maiores empreiteiras do
país-- para trabalhar na construção da hidrelétrica. Hoje, se queixa das
condições de trabalho.
ONDE FICA
“A gente trabalha o dia todinho no meio do
sol, numa quentura que ofusca as vistas e dá uma dor de cabeça daquelas. Eles
deviam colocar uma tenda para a gente trabalhar embaixo”, reclama. Por outro
lado, Dione é extrativista de açaí, fruta que ela vai atrás com seu barco
ancorado ao lado de sua palafita. Ela teme ser alojada em uma casa longe dos
rios que a levam ao açaí silvestre.
“Os terrenos para construção das novas vilas
em Altamira onde serão reassentadas as famílias impactadas pela construção do
reservatório do rio Xingu já foram previamente escolhidos e anuídos pelo Ibama,
órgão licenciador do empreendimento. Os locais, entretanto, ainda não foram
divulgados à população justamente para evitar que os respectivos proprietários,
tomados pela especulação imobiliária referida pelo jornalista, se valham disto
para aumentar ainda mais os preços. Além disso, há também o risco de invasões
destes imóveis, se divulgados antes da hora”, escreveu em e-mail a diretoria
socioambiental da Norte Energia, em resposta à reportagem do UOL.
No centro de capacitação, os futuros
operadores de escavadeiras treinam em um videogame como usar a pá mecânica
empunhando joysticks diante de telões. Com 18 anos e oitava série completada,
Aline Almeida já foi doméstica e secretária, mas agora treina para ser
encanadora. Como ela, 70% de quem passa pelo centro nunca teve carteira de
trabalho assinada, segundo dados do consórcio.
O governo federal imagina Altamira em 2015
como cartão-postal do desenvolvimento sustentável, mostrando que
megaempreendimentos podem trazer progresso sem danificar tanto a natureza. Mas
até agora, a cidade está bem longe do futuro sonhado por Brasília para aquele
canto do Pará.
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Altamira (PA)
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